terça-feira, 1 de junho de 2010

JUIZ ORDENA E POLÍCIA FEDERAL DESPEJA QUILOMBOLAS de terras que tradicionalmente ocupam

Não aceiteis o que é de hábito como coisa natural,

pois em tempo de desordem sangrenta,

de confusão organizada, de arbitrariedade consciente,
de humanidade desumanizada,
nada deve parecer natural, nada deve parecer impossível de mudar.

(Bertold Brech)


Na manhã de ontem, a Comunidade Quilombola de Barra do Parateca, município de Carinhanha, Bahia, foi surpreendida por uma operação violenta da Polícia Federal. Dez 10 homens, fortemente armados, destruíram casas, roças de abóbora, feijão, milho, mandioca, batata, melancia e expulsaram animais em área ocupada pela comunidade, com 250 famílias, há mais de cem anos.

A operação ocorreu por ordem do Juiz da Vara Federal de Guanambi, que deferiu liminar de reintegração de posse em favor de João Batista Pereira Pinto, Juiz Estadual do mesmo município. O beneficiário da decisão nunca comprovou a posse da área em litígio, mas vem cercando terras tradicionalmente utilizadas por quilombolas e extrativistas da região do Médio São Francisco.

Essas terras integram a Reserva Legal do Projeto de Colonização de Serra do Ramalho, de propriedade do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária – INCRA, e também fazem parte da área a ser titulada em nome da comunidade através do procedimento em curso na referida autarquia, por serem terras ocupadas por remanescentes de quilombos (art. 68 do ADCT da Constituição Federal).

O cumprimento desta decisão judicial aconteceu em plena greve dos servidores federais do Poder Judiciário, onde nenhum ato com implicações processuais poderia estar sendo realizado, por configurar claro cerceamento de defesa, haja vista a impossibilidade de reversão do ato pelos quilombolas e o INCRA.

No direito brasileiro a concessão de liminares em ações de reintegração de posse deve ser uma medida excepcional, de urgência, a ser conferida somente em favor de quem comprova ser posseiro e cumpridor da função social da posse e da propriedade, conforme a Constituição. Isto tem que ser muito bem justificado e comprovado, o que não vem sendo exigido pelos juízes quando as partes são fazendeiros poderosos.

Na Bahia, é recorrente a emissão de decisões judiciais que ignoram tais exigências da Constituição, liminares são concedidas de modo arbitrário explicitando posições ideológicas da magistratura cujas raízes são bem conhecidas em nossa história. Resultado: ao invés de agir em prol da realização de direitos fundamentais, o Poder Judiciário, fiel a uma mentalidade patrimonialista, viola os direitos das populações camponesas que cumprem, efetivamente, a função social da terra.

Em pleno século XXI, quando a humanidade vê-se perplexa diante da fome, da ameaça de destruição do meio ambiente, da guerra, dos horrores do processo de colonização racista, o Poder Judiciário continua operando como uma máquina de construção da miséria. A opção pela destruição de alimentos e casas, realizando cotidianamente despejos forçados de multidões de posseiros, trabalhadores e comunidades negras rurais que resistem e lutam para tirar seus direitos do papel é irracional.



Salvador, 27 de maio de 2010



Associação de Advogados de Trabalhadores Rurais no Estado da Bahia – AATR-BA

Associação Agropastoril Quilombola de Barra do Parateca

Movimento dos Trabalhadores Assentados, Acampados e Quilombolas - CETA

Comissão Pastoral da Terra – CPT/Centro Oeste da Bahia

ONU: Execuções sumárias continuam em grande escala no Brasil

Relatório sobre execuções sumárias chama a atenção para as taxas “alarmantes” de violência policial e para a ação de grupos de extermínio no país; nenhuma das 33 recomendações feitas pelas Nações Unidas em 2008 foram integralmente cumpridas


A ONU divulga nesta terça-feira, dia 1 de junho, um documento alertando sobre o alto número de execuções sumárias no Brasil. Trata-se de um ‘relatório de seguimento’, que analisa se o Estado brasileiro cumpriu ou não as recomendações feitas pelo Relator Especial da ONU sobre Execuções Sumárias, Arbitrárias ou Extrajudiciais, Sr. Philip Alston, depois que esteve em missão especial no país em 2007. Alston concluiu que , de lá pra cá, a situação não mudou muito, e que o governo está falhando em tomar todas as medidas necessárias.
O documento de 22 páginas analisa temas tratados durante a missão do relator e afirma que “execuções extrajudiciais continuam em grande escala” no Brasil. Entre os temas abordados estão a violência policial e os chamados ‘autos de resistência’, os homicídios dentro de unidades prisionais, a atuação de milícias e grupos de extermínio formados por agentes públicos, além das falhas e vícios presentes no aparato de investigação e processamento judicial, que propiciam a não-responsabilização de crimes cometidos por representantes do Estado.

Brasil descumpre as recomendações

Apesar de citar avanços pontuais em algumas questões, o documento denuncia que o governo brasileiro tem falhado em tomar medidas necessárias para diminuir as mortes causadas pela polícia. De 33 recomendações feitas no Relatório de 2008, nenhuma foi integralmente assimilada: dois terços (22) foram descumpridas e 11 foram classificadas apenas como “parcialmente cumpridas”.

“O relatório de seguimento da ONU mostra que a polícia no Brasil continua sendo extremamente letal e violadora de direitos”, afirma Sandra Carvalho, diretora da Justiça Global, uma das organizações que contribuíram com informações para o documento. Para ela, é grave o fato de o Brasil estar ignorando recomendações importantes para o enfrentamento da violência policial e a desarticulação de grupos de extermínio. “Isto reflete a falta de compromisso de governantes com uma política de segurança menos letal, que pare de encarar a morte como critério de eficiência e que esteja comprometida com o fim dos grupos de extermínio”, afirmou Sandra.

PEC aprovada na CCJ contraria ONU

O relatório da ONU está sendo divulgado dias depois de a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara aprovar a admissibilidade da Proposta de Emenda Constitucional (PEC) que impediria que a Polícia Federal e as Polícias Civis dos estados sejam sujeitas ao controle externo dos integrantes do Ministério Público (MP). A aprovação vai contra a análise da ONU, que recomenda justamente que o MP “conduza investigações independentes onde a polícia esteja envolvida em um assassinato, e que o direito do MP para conduzir suas próprias investigações seja melhor definido e afirmado”. O relator recomenda inclusive que, em São Paulo, seja aprovada uma proposta para ampliar o Grupo de Atuação Especial de Controle Externo da Atividade Policial (GECEP) do MP, que atuaria na fiscalização de crimes e abusos cometidos pela polícia.



COMUNICADO DE IMPRENSA

Relator Especial da ONU considera que as mortes causadas pela polícia brasileira continuam em taxas alarmantes e o governo tem falhado em tomar todas as medidas necessárias

Nova Iorque, 1 de junho de 2010

"O dia-a-dia de muitos brasileiros, especialmente aqueles que vivem em favelas, ainda é vivido na sombra de assassinatos e da violência de facções criminosas, milícias, grupos de extermínio e da polícia, apesar de importantes reformas do Governo", disse o Relator Especial da ONU sobre execuções extrajudiciais hoje, quando divulgou um Relatório de Seguimento sobre o progresso que o Brasil tem feito para reduzir mortes pela polícia desde a sua visita de 2007.

"Quando visitei o país, dois anos e meio atrás", disse o professor Philip Alston, Relator Especial da ONU, "constatei que a polícia executou supostos criminosos e cidadãos inocentes durante operações ‘de guerra’ mal planejadas e contra-produtivas dentro de favelas. Civis foram mortos também por policiais atuando fora de horário de serviço em grupos de extermínio e milícias, como resultado de ‘vigilância’ ou para obter lucro”.

"Atualmente, a situação não mudou dramaticamente. A polícia continua a cometer execuções extrajudiciais em taxas alarmantes", constatou o especialista da ONU. "E eles geralmente não são responsabilizados por isso."

Através da revisão das ações do governo federal e estadual nos dois últimos anos, o relatório do especialista destacou que o Brasil apresentou melhorias notáveis em algumas áreas. "Rio de Janeiro, São Paulo e Pernambuco investigaram milícias e grupos de extermínio e o fato de que alguns policiais foram presos é muito positivo", disse ele. "Além disso, novos esforços de policiamento comunitário em algumas poucas favelas do Rio de Janeiro são muito bem vindos, como é também a promessa do governo federal de aumentar os salários para melhorar a segurança antes da Copa do Mundo de 2014 e dos Jogos Olímpicos de 2016. Mas estes esforços exigirão um impulso muito maior se forem para trazer a segurança que se espera dentro dos próximos quatro anos."

Em outras questões centrais, no entanto, ele observou que muito pouco tem sido feito. "Os chamados Autos de Resistência continuam a uma taxa muito grande", disse ele, referindo-se a mortes causadas pela polícia que são depois relatadas como tendo ocorrido em auto-defesa. "Houve pelo menos 11 mil mortes registradas como ‘resistência seguida de morte’ em São Paulo e no Rio de Janeiro entre 2003 e 2009. As evidências mostram claramente que muitas dessas mortes na realidade foram execuções. Mas a polícia imediatamente as rotula de “resistência”, e elas quase nunca são seriamente investigados. O Governo ainda não acabou com esta prática abusiva”. O especialista concluiu que, de fato, as “resistências seguidas de morte” aumentaram em São Paulo desde 2007. Ele pediu ao Brasil para "abolir esta classificação que dá à polícia uma licença para atirar, e para investigar esses assassinatos como quaisquer outras mortes."

Ele congratulou a nova abordagem experimental da UPP (Unidade de Polícia Pacificadora) do Rio de Janeiro, que substitui intervenções violentas de curto prazo em favelas pela presença da polícia a longo prazo e de prestação de serviços sociais. "O conceito da UPP é um passo adiante muito bem vindo, pois traz a perspectiva de segurança real e sustentada", disse ele. "Mas há também cada vez mais relatos de abusos cometidos contra moradores da favela pela UPP, e os serviços sociais prometidos nem sempre foram fornecidos." O principal desafio é expandir o programa, já que "centenas de favelas continuam ou intocadas ou ainda sujeitas à velha mentalidade de que invasões ocasionais e violentas podem trazer segurança. "

"O Governo do Brasil merece muito crédito por sua cooperação e abertura ao escrutínio externo", disse o Relator Especial. "Mas ainda há muito a ser feito se o Governo quiser atingir o seu objetivo de reduzir as execuções extrajudiciais cometidas pela polícia."
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O relatório do Relator Especial está contido em A/HRC/14/24/Add.4. Para mais informações, entre em contato com o Relator Especial, no seguinte endereço: sarah.knuckey @ nyu.edu.

Professor Alston foi nomeado Relator Especial da ONU em 2004 e apresenta seus relatórios para o Conselho de Direitos Humanos e a Assembléia Geral das Nações Unidas. Ele tem uma vasta experiência no campo dos direitos humanos, incluindo oito anos como presidente do Comité das Nações Unidas sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, principal consultor jurídico para a UNICEF na elaboração da Convenção sobre os Direitos da Criança e Assessor Especial para o o Alto Comissário da ONU para os Direitos Humanos. Ele é professor de Direito e Diretor do Centro de Direitos Humanos e Justiça Global na Escola de Direito de Nova Iorque. Para obter informações sobre o mandato do Relator Especial, consulte: www.extrajudicialexecutions.org.