quinta-feira, 30 de abril de 2009

Vjing e o Cinema Transcendental

VJ Koyrana em performance
Entrevista cedida ao jornal do curso de jornalismo da Faculdade de Comunicação Social da Universidade Federal da Bahia


Olá, Seguem as perguntas para a reportagem:


1) Desde quando você é vj? Há eventos dos quais participa com freqüência?

Desde 2005. Atualmente concilio o meu trabalho de DJ com a performance de VJ, isso quando alguém mais interado sabe o que é VJ e se interessa em contratar os dois em um. Ultimamente tenho feito pouco vijing pela falta de procura.


2) Você manipula vídeo ao vivo? Existe alguma diferença em fazer ao vivo ou não?

Acho que edição em tempo real é um diferencial, tenho tentado aprender mais sobre alguns softwers de vijing, mas como matenho um banco de imagens, gosto de prepará-las na ilha de edição antes e prever os movimentos e os temas que se harmonizem melhor com os estilos musicais. Além de poder tratar a definição e a testura das imagens anteriormente, podendo escolher com calma cada efeito e movimento aplicado. Sem falar que a qualidade da projeção em DVD ou em arquivo de alta resolução, a depender da qualidade do projetor, é melhor.


3) Como você avalia a contribuição de pessoas como o Daniel Lisboa e o coletivo Soononmoon para o vjing em Salvador?

Depois de conhecer Vj Hare - Daniel Lisboa ainda na escola de cinema, me interessei muito por essa nova possibilidade de expressão. Comecei a frequentar festas eletrônicas e a me influenciar pelo Psytrance. Sempre fui muito mais consumidor de música orgânica, rock e outros estilos de e-music, mas depois de algumas noitadas na companhia dessa grande figura, me joguei de vez na esbórnia eletrônica de Dendêtown. Confesso que não sou um "tranceiro" e que nunca quis fazer parte da cena em sí, ia mais como um estudioso da imagem e do som e acabei entrando para outro coletivo só de VJ'S.


4) Como você avalia sua participação na cnstrução do cenário soteropolitano de videoarte?

Na época que comecei com o trabalho de VJ, a quatro anos atrás, nós: eu, Hare - Daniel e Gabirú - David, já tinhamos feito o vídeo FHC - "O fim do homem cordial" que na minha opnião é um divisor de águas da arte audiovisual baiana. Depois comecei a fazer vídeos na escola tendo como principal influência a liberdade estética da "videoarte", que passei a utilizar em meus trabalhos, associada à temas políticos, como o crime ambiental causado pelo esgoto sanitário do complexo turístico Costa do Sauípe, apresentado no vídeo "Peleja", ou ainda num outro trabalho onde, sem a menor pretenção, profetizo de forma irônica o surgimento de uma transtelevisão, o "Cinema Transcendental", ambos disponíveis na rede. Não me sinto preso a "cenários artísticos" e tal, me vejo como um artesão de um "bando" descentralizado, espalhado, mas que a qualquer momento pode se juntar e fazer uma revolução temporária.


5) Acredita que a cena de VJs em Salvador está crescendo? Existe "mercado" para o vjing?

Não sei. A dois anos estou morando fora de Salvador, em outro estado, outra realidade. Nesse tempo estive em Salvador umas quatro vezes, alternando períodos longos e viagens de férias. Vejo que ainda é algo desconhecido do grande público. A não ser os da rede de reives e festas eletrônicas.


6) Percebemos que os VJs tem diversas formas de fazer essa arte. Muitos fazem videoarte previamente e manipulam ao vivo, outros manipulam imagem em tempo real, por exemplo de webcam. Qual a sua forma de vjing?

Minha proposta de projeção atualmente é pré-concebida, o que não me impede de também usar softwers específicos e mixar na hora, na minha opnião o improviso e a sincronicidade das linguagens depende mais da sensibilidade, da pesquisa, do repertório imagético, musical, estético e simbólico do Vj do que da técnica escolhida. Acho que estudar semiótica e cinema entre outras coisas é um bom começo para se jogar na aventura.


7) Você acha que há diferença entre vj, video-arte e videoclipe?

Há sim diferenças, mas que podem ser diluídas em uma obra nova, sensível e original. Vejo o Vijing mais como um hábito novo de fruir imagens, como no cinema, mas implodindo a caixa cinematográfica e desconstruindo a noção de narrativa sem deixar de transmitir narratividade. Vc faz o seu próprio cinema, com imagens, músicas, cenários, pessoas e outras coisas mais... Artistas de terceiro mundo tem que se utilizar de qualquer possibilidade de expressão que esteja a mão e o vídeo é uma linguagem-meio razoavelmente barato de produzir. O vídeo clipe já estrapolou suas fronteiras estéticas e narrativas, principalmente com o surgimento da música eletrônica.


8) Há muito intercâmbio entre VJs baianos e de outros locais? Como ele acontece e reflete na sua arte?

Sinto que nós Vj's precisamos articular mais nossas linguagens. Precisamos ousar mais, teorizar, sem perder o feeling, o tesão. Agora que estou fora de Salvador, morando no interior, quase não tenho visto nada de novo. Quando vou a São Paulo ou a BH, tenho a oportunidade de ver trabalhos de outros profissionais, nada que me impressione. Sei do petencial da minha geração e acredito que ainda veremos muita coisa se transformar e com certeza estaremos seguindo em frente. Para qualquer Vj é indispensável ir ao Universo Paralelo, nisso os VJs de Dendêtown saíram na frente.


Roteiro e Direção - Andrigo de Lázaro (DJ VJ Koyrana)
Cameras - Andrigo de Lázaro e Coletivo Transcendental
Edição - Andrigo de Lázaro e Coletivo Transcendental
Desenho de áudio - Andrigo de Lázaro e Coletivo Transcendental
Off - Tio Lula e Xicão Xucurú
Trilhas - Bnegão, Otto, Nação Zumbi, Mundo Livre, DJ Semente

Marcha da Maconha no Brasil

"maconha só se comprava na tabacaria / drogas na drogaria" (Chico Buarque)

Sem apologia barata ou caricaturismo, 13 cidades brasileiras e mais outras 300 ao redor do mundo discutem a legalização da Cannabis sativa. Em Fortaleza, a Marcha da Maconha leva a paz e reflexão ao aterro da Praia de Iracema. De acordo com a ONU, um "mercado regulamentado" iria causar menos danos do que a proibição internacional. Um relatório preparado pela ONU tende a reabrir o debate sobre as leis em relação à cannabis e sugere que os controles, como a tributação, idade mínima e rotulagem poderão ser exploradas. Nesse sentido, nas primeiras semanas de maio milhares de pessoas em todo o mundo sairão às ruas em mais de 300 cidades para lembrar a luta política contra a proibição injusta que tornou ilegal o cultivo de plantas da espécie Cannabis sativa em quase todos os países do mundo. O Coletivo Marcha da Maconha está apoiando eventos em 13 cidades em todo o país. Os dias 2, 3 e 9 de maio serão marcados com caminhadas em clima de descontração, música, concursos de fantasias, distribuição de material informativo e espaço para manifestações artísticas, performances e outras expressões culturais. Além disso, em diversas cidades ocorrerão também debates, palestras, seminários, exibições de documentários e outros tipos de eventos para discutir diversos aspectos relacionados ao tema, principalmente ligados às leis e políticas públicas sobre drogas. O objetivo do Movimento é possibilitar que todos os cidadãos brasileiros possam se manifestar de forma livre e democrática a respeito das políticas e leis sobre drogas do país, ajudando a fazer do Brasil um verdadeiro Estado Democrático de Direito. De acordo com o Coletivo, "com essas atividades procuramos tão somente ajudar a fazer com que essas leis e políticas possam ser construídas e aplicadas de forma mais transparente, justa, eficaz e pragmática, respeitando a cidadania e os Direitos Humanos". E continua: "acreditamos que já é hora de discutir reformas mais concretas nas políticas e leis sobre a planta e seu uso, de forma a incluir os dados científicos mais atuais e contando com uma maior participação da sociedade civil".
## quando e onde acontece a marcha? ##

» 2 DE MAIO • GOIÂNIA Pça. Universitária, 14h

» 3 DE MAIO • FLORIANÓPOLIS - Trapiche - Beira-mar Norte, 15h

• FORTALEZA - Aterro da Praia de Iracema, 15h

• JOÃO PESSOA - Pça. Antenor Navarro, 14h

• RECIFE - Rua do Apolo - Bar do Fogão, 14h

• SALVADOR - Farol da Barra, 14h

• SÃO PAULO - Parque Ibirapuera - Marquise, 14h

» 9 DE MAIO • BELO HORIZONTE - Praça da Estação, 15h

• BRASÍLIA - Catedral, 15h

• CURITIBA - Largo da Ordem, 14h

• JUÍZ DE FORA - Parque Halfeld, 11h

• PORTO ALEGRE - Av. José Bonifácio, 15h

• RIO DE JANEIRO - Ipanema - Posto 9, 15h

info: Coletivo Marcha da Maconha Brasil marchadamaconha.org e contato@marchadamaconha.org ou (21)8705-3357 / (11)6333-5505

Conferência mundial contra racismo é boicotada

Mesmo antes de qualquer pronunciamento já estava em curso um boicote à conferência protagonizado pelos Estados Unidos, Itália, Alemanha, Holanda, Polônia, Austrália e Nova Zelândia que não enviaram sequer seus embaixadores a Bruxelas. O racismo é um dos temas mais entranhados na sociedade moderna e, por isso, um dos mais difíceis de serem tratados com um mínimo de civilidade.


De racismo e de novas territorialidades no sistema mundo por: Michelle Amaral da Silva última modificação 24/04/2009 12:20. Colaboradores: Carlos Walter Porto Gonçalves
Em 2001, a ONU realizou em Durban, África do Sul, a Conferência Mundial Contra Racismo, Discriminação Racial, Xenofobia e Intolerância Correlata. O local não podia ser mais apropriado, pois aquele país acabava de por fim ao nefando regime de apartheid que lhe havia sido imposto pelos colonizadores. A conferência, infelizmente, terminou com cadeiras voando e sem que os participantes tenham conseguido dar cabo da sua agenda de trabalho. À época, preocupava aos delegados europeus a possibilidade de que fosse aprovada uma resolução que reconhecia a escravidão como crime de lesa-humanidade e, ainda, que pudesse haver alguma condenação a Israel por crime de racismo contrao povo palestino. Em 2009, nos vemos em Bruxelas novamente diante do triste espetáculo de uma reunião da ONU sobre racismo não conseguir dar cabo da sua agenda de debates. Embora a mídia empresarial tenha enfatizado o discurso do Presidente do Irã como tendo sido o responsável pelos desentendimentos, é bom registrar que mesmo antes de qualquer pronunciamento já estava em curso um boicote à conferência protagonizado pelos Estados Unidos, Itália, Alemanha, Holanda, Polônia, Austrália e Nova Zelândia que não enviaram sequer seus embaixadores a Bruxelas. Independentemente das razões imediatas alegadas por esses representantes de que recusariam o reconhecimento do sionismo como racismo, o que estaria sendo proposto pelo Presidente do Irã, é significativo que seja exatamente sobre o tema do racismo que os embaixadores, especialistas em evitar a guerra, não consigam sequer conversar quando não evitar a pancadaria aberta, como aconteceu em Durban. O racismo é um dos temas mais entranhados na sociedade moderna e, por isso, um dos mais difíceis de serem tratados com um mínimo de civilidade. As reuniões da ONU comprovam. O racismo está na constituição do sistema mundo desde seus primórdios e continua a constituí-lo ainda hoje. Na América Latina/Abya Yala, no Caribe e na África, não há como deixar de reconhecer o recobrimento entre o processo de formação das classes sociais e a questão étnico-racial. Dois dos mais importantes sociólogos latino-americanos, o peruano Aníbal Quijano e o brasileiro Florestan Fernandes, insistiram nessa sobreposição. Faz parte da colonialidade que constitui a modernidade sendo seu lado até recentemente silenciado. Desde 1492 que a colonização do novo (para os europeus) continente se fez contra os povos originários de Abya Yala, nome com que o movimento desses povos vem designando o continente afirmado como América pela elite criolla, e por meio da escravização de povos africanos nas monoculturas com fins mercantis. Foi nesse momento que os europeus se descobriram como brancos e instauraram um dos mais perversos regimes sociais que a humanidade conheceu, promovendo a morte generalizada de milhões de autóctones tanto na África, como no Caribe e na América/Abya Yala para concentrar riqueza nas mãos de poucos, sobretudo na Europa. A Europa só passou a ter a centralidade geopolítica, geocultural e geoeconômica que hoje possui a partir desse regime social colonial-escravista. Não esqueçamos que até 1492 tomar o rumo certo era se orientar, enfim, ir para o Oriente. Condenar o passado mantendo intactas as posições atuais que por meio dele foram edificadas é contribuir para a manutenção do problema e não para sua solução. É fato que não podemos mudar o passado, como se costuma dizer, mas o que não podemos olvidar é que as desiguais posições de poder atuais foram construídas por essa história que, assim, nos habita na sua contradição. Foram os próprios europeus que conformaram o holocausto cometendo com requintes técnicos e científicos a morte de milhões de judeus e de ciganos, entre outros povos, nos seus campos de concentração. O horror vivido pelos povos originários de Abya Yala/América e dos negros obrigados a trabalhar sob o látego do feitor depois de viajar nos navios do horror enriqueceram uma burguesia que só quer olhar prá frente porque não pode olhar o passado que lhe constituiu e que se reproduz enquanto pilhagem dos recursos naturais ainda hoje pagando salários de fome, sobretudo aos não-brancos. O último período da globalização iniciada em 1492, o técnico-científico-informacional (Milton Santos) e neoliberal, ao contrário da homogeneização que de certa forma era seu ideal-tipo tem que aceitar a diversidade de culturas de fato como resultado da resistência dos diferentes à nova colonização, agora em nome do desenvolvimento e do mercado. As migrações acabaram colorindo as periferias de Londres, de Paris, Amsterdã e de Berlin e, assim, aproximaram os diferentes lá mesmo no centro do poder mundial, fenômeno nada novo para quem viveu no lado colonial do sistema mundo moderno-colonial. Há uma resistência xenófoba à transculturalidade e à transterritorialidade em curso no mundo que explicita uma questão de fundo do sistema mundo moderno-colonial e que as reuniões da ONU expressam esse mal-estar. Não será com muros que se vai impedir a invenção de novas territorialidades de que o mundo está grávido. Os equatorianos acusados de indocumentados na Espanha brandiram a carta de Cristóvão Colombo como seu documento de identidade para que pudessem continuar vivendo de seu trabalho na Espanha e, ao mesmo tempo, contribuir para o sustento de suas famílias no Equador. Essa Espanha, que hoje quer expulsá-los, é a mesma que se enriqueceu com exploração das minas de ouro submetendo os quéchuas e os aymaras no seu próprio Tawantinsuyu. Ainda recentemente, em 16 de Março de 2003, houve uma reunião de cúpula nas Ilhas Açores onde participaram os Estados Unidos, a Inglaterra, a Espanha e Portugal quando se decidiu, à revelia da ONU, pela invasão do Iraque. Tanto o local como seus participantes são emblemáticos para entendermos o significadodo que está implicado no sistema mundo moderno-colonial: os Açores são o arquipélago que se tomou como referência para demarcar o Meridiano de Tordesilhas justo no momento em que o Atlântico Norte passava a se constituir no centro geopolítico do sistema mundo moderno-colonial e, ali estavam na reunião de 2003 os que hegemonizaram a primeira moderno-colonialidade – Portugal e Espanha – e, ainda, os que passaram a comandar a segunda moderno-colonialidade – a Inglaterra – e seu desdobramento hegemônico atual, os Estados Unidos. Nunca a geografia e a história foram tão emblemáticas do padrão de poder mundial como nesse encontro dos Açores. Enfim, vivemos um momento de bifurcação histórica, diria Yllia Prigogine. Há um processo de transformação em que a longa duração, de que tanto nos alertara Fernand Braudel, está se condensando na curta duração pela ação de velhos/atuais protagonistas agora visibilizados no novo quadro histórico que demanda por radicalização democrática. Que a dor dos povos originários de Abya Yala/América, dos negros desterritorializados e escravizados, dos judeus e ciganos confinados em campos de concentração e dos palestinos, hoje massacrados por Israel, nos inspirem na conformação de novas instituições, onde a igualdade e a diferença se combinem no sentido da emancipação das condições de exploração/opressão do sistema mundo moderno-colonial que ainda nos constitui.

*Doutor em Geografia pela UFRJ. Professor do Programa de Pós-graduação em Geografia da UFF. Pesquisador do Grupo Hegemonia e Emancipações de Clacso. Ganhador do Prêmio Casa de las Américas 2008 de Literatura Brasileira.

Gripe Smithfield Foods ou Gripe Suína?



É a doença originada do agronegócio internacional. O nome da gripe é Smithfield Foods.


Eu sempre insisto aqui neste blog Diário Gauche que o nome que se dá a coisas, objetos, projetos, episódios e até a doenças é muito importante. Vejam o caso dessa epidemia mundial de gripe viral. Estão chamando-a – de forma imprópria – de gripe suína. Nada mais ideológico. Nada mais acobertador da verdade. O vírus dessa gripe se originou da combinação de múltiplos pedaços de ADN humanos, aviários e suínos. O resultado é um vírus oportunista que acomete animais imunodeprimidos, preferencialmente porcos criados comercialmente em situações inadequadas, não-naturais, intensivas, massivas, fruto de cruzamentos clonados e que se alimentam de rações de origem transgênica, vítimas de cargas extraordinárias de antibióticos, drogas do crescimento e bombas químicas visando a precocidade e o anabolismo animal. Especulações científicas indicam que o vírus dessa gripe teve origem nas Granjas Carroll, no Estado mexicano de Vera Cruz. A granja de suínos pertence ao poderoso grupo norte-americano Smithfield Foods, cuja sede mundial fica no Estado de Virgínia (EUA).
A Smithfield Foods detém as marcas de alimentos industriais como Butterball, Farmland, John Morrell, Armour (que já teve frigorífico no RS e na Argentina), e Patrick Cudahy. Trata-se da maior empresa de clonagem e criação de suínos do mundo, com filiais em toda a América do Norte, na Europa e China. Deste jeito, pode-se ver que não é possível continuar chamando a gripe de “suína”, pois trata-se de um vírus oportunista que apenas valeu-se de condições biológicas ótimas – propiciadas pela grande indústria de fármacos, de engenharia biogenética, dos oligopólios de alimentos e seus satélites de grãos e sementes. Todos esses setores contribuiram com uma parcela para criar essa pandemia mundial de gripe viral. O nome da gripe, portanto, não é “suína”. O nome da gripe é: “gripe do agronegócio internacional” – que precisa responder judicialmente o quanto antes – urgentemente – pela sua ganância e irresponsabilidade com a saúde pública mundial.
Leia o dossiê sobre a transnacional Smithfield Foods aqui (em inglês). http://www.foodandwaterwatch.org/food/factoryfarms/dairy-and-meat-factories/SmithfieldJan08.pdf

terça-feira, 28 de abril de 2009

Milícia de extrema direita age no Rio de Janeiro

Entre milícias e militantes de extrema direita: Rio de Janeiro em janeiro de 2009.

Violência contra grafiteiros expõe o crescimento das milícias de extrema direita no Rio de Janeiro. Por Jefferson Barbosa

O mês de janeiro no Rio é novamente cenário de expressões da cultura política da extrema direita. Organizações milicianas continuam atuando em defesa dos "cidadãos de bem" em nome da "ordem social e moral".
No dia 18 do referido mês artistas que estavam grafitando um muro do Jockey Clube da referida cidade foram abordados por indivíduos que se apresentaram como os «Anjos da Guarda». Os Guardians Angels do Brasil agindo de forma truculenta tomaram os utensílios dos artistas e acionaram a polícia, segundo informação veiculada pelo site Viva Favela.
Os rappers Emerson Facão e Alexandre Tigrão, e o grafiteiro Carlos Esquivel, o Acme, grafitavam o muro do Jockey desde às 8h da manhã. Às 21h, o trabalho artístico foi censurado após abordagem de uma brigada uniformizada trajando calça e bota pretas, camiseta branca e boina vermelha, todos integrantes da ONG Guardian Angels. Eles acionaram a Guarda Municipal e levaram os artistas para a 15ª DP [Distrito Policial, uma esquadra].
A vigilância e manutenção voluntária do muro do Jockey são feitas pelos Guardian Angels, ONG que afirma atuar "na luta contra a criminalidade", com autorização da direção do Jockey. O gerente de Marketing do clube Urubatan Medeiros informou ao site Viva favela que os Guardian Angels procuraram o clube para fazer a manutenção do muro gratuitamente.
A ONG Guardian Angels foi criada em fevereiro de 1979, em Nova Iorque, com o objetivo de combater a criminalidade no bairro do Bronx. Atualmente, possui núcleos em 67 cidades dos Estados Unidos, além de representações no Canadá, México, Japão e Brasil. No Brasil, há 22 voluntários da organização, todos no Rio. Eles atuam em bairros da Zona Sul e no Centro e se dividem em dois grupos, os adolescentes trabalham com ecologia e preservação ambiental e os integrantes maiores de idade fazem uma espécie de patrulha policial na mesma área.
No site oficial da ONG, em inglês, eles dizem estar prontos para "lutar contra as forças do mal". Os integrantes da Guardian Angels do Brasil, dizem que estão preparados e argumentam que passaram por uma capacitação realizada por integrantes da sede americana.
Os milicianos, segundo informações da comunidade do Orkut do grupo no Brasil, são preparados através de cursos que vão desde Direito, onde aprenderam sobre o código penal, além de emergência médica e defesa pessoal e se submetem a rígidos padrões de conduta.
Segundo entrevista do site Viva favela com membros do grupo, uma das lideranças da milícia afirmou: «Sempre que vemos alguém cometendo um delito, como assalto, ou depredando um bem público, damos voz de prisão e encaminhamos às autoridades. Somos os olhos e os ouvidos da polícia na rua» […]. "Vamos lutar contra o tráfico, somos uma resposta rápida ao Comando Vermelho".
"Os Guardian Angels se encaixam muito bem no papel que alguns, principalmente aqueles que defendem o porte de armas, querem. O fim do monopólio do Estado sobre o uso da força. É proibido que eles o façam por enquanto, mas isso abre uma brecha para a formação de milícias como as que existem no campo, criadas pela UDR [União Democrática Ruralista, um partido de extrema-direita de fazendeiros e latifundiários]. Eu já vi esses caras também, moro no Rio também, só que no subúrbio, mas eles andam assim mesmo, semifardados, estufando o peito e com o nariz para cima, ficam agradando as pessoas e vigiando a saída na porta das escolas. São arredios a conversa, a não ser que eles venham falar com você".
As formações milicianas tornaram-se parte dos cenários da «cidade maravilhosa» há algum tempo e possuem perfis distintos. É notória também a atuação de organizações paramilitares que controlam parte expressiva das regiões periféricas da cidade, recrutando desempregados e policiais como paladinos da ordem, fatos constantemente noticiados pela grande imprensa.
O controle dos sistemas econômicos (oficiais e paralelos) das comunidades pobres de favelas e bairros apresenta-se como interessante campo de empreendedorismo. As milícias obtêm muitas vezes o apoio de segmentos da população que acreditam no controle da criminalidade por parte de tais organizações, muitas vezes, controladas por políticos também empreendedores, como foram destacados pelo noticiário televisivo brasileiro nos últimos meses os vínculos entre vereadores da cidade do Rio de Janeiro e organizações milicianas que sob ameaças intimidavam as comunidades a votarem em candidatos envolvidos com o crime organizado, fato que colocou o exército em algumas favelas para garantir a normalidade das eleições municipais.
A lógica do lucro norteia a maior parte das milícias urbanas e rurais no Brasil, grupos armados também fazem a proteção de muitas fazendas, sob a sombra da União Democrática Ruralista (UDR), organização de produtores rurais brasileiros em oposição aos movimentos sociais no campo. A economia da proteção privada por grupos paramilitares gera empregos e estimula uma economia paralela em defesa da ordem.
Existe também a disposição de certos segmentos da sociedade em defesa da «ordem moral e social» mesmo de forma não remunerada, compromissados com a vigilância e a manutenção da funcionalidade societária para os "cidadãos de bem".
Nesse sentido, também é notória a presença em muitos países de determinados segmentos milicianos autodenominados skinheads que também colaboram com a manutenção da higienização social. Desde a crise econômica da década de 1970 no ocidente, "cabeças raspadas" acreditam estarem prestando serviços as suas comunidades agredindo e expulsando de suas áreas mendigos, migrantes, homossexuais, usuários de entorpecentes [consumidores de estupefacientes] e, tratando-se especificamente de segmentos skinheads White Power, caçando os "não brancos".
O movimento skinhead é multifacetado, nem todos os grupos são racistas, mas em sua maioria prestam culto ao uso da força e a cultura militarista. No Brasil surgiram no início da década de 1980 e a cidade do Rio de Janeiro destaca-se atualmente pelo número de organizações, segundo dados obtidos pela internet. Uma rápida pesquisa através do Google, Orkut e You Tube evidencia a articulação entre grupos skinheads no Brasil e, em muitos países da América Latina, com destaque para a Argentina e Chile, sendo Portugal e Espanha também destaque pelo número de organizações.
Neste mesmo mês de janeiro o Rio de Janeiro também sediou o denominado "III Congresso Integralista para o século XXI" entre os dias 22 a 25, ocasião em que apresentaram seu novo manifesto político, o denominado Manifesto da Guanabara. Os integralistas são também notórios personagens da cultura política de extrema-direita no Brasil; atuando desde 1932 os integralistas tornaram seu movimento um partido de massas até 1937, quando foram colocados na ilegalidade por Getúlio Vargas; naquele contexto as milícias integralistas armadas e sob treinamento militar prestaram serviços às elites na repressão a militantes comunistas e o partido tinha explícitos vínculos com o partido fascista italiano.
Os herdeiros do integralismo no Brasil contemporâneo também se apresentam como defensores da «ordem moral e social» e antigos e novos militantes pleiteiam possibilidades para a reestruturação de sua militância articulando organizações por todo o país, impulsionados pelas tecnologias de comunicação. Fato destacado em recentes pesquisas acadêmicas que apontam as relações de integralistas com organizações skinheads, como os Carecas do ABC, atuantes na região metropolitana de São Paulo, com ramificações também em cidades do interior do país. Os «Carecas do ABC» apresentam-se como skinheds integralistas e cultuam o mesmo lema dos integralistas da década de 1930: "Deus – Pátria – Família".
Os últimos dois "Congressos Nacionais" dos integralistas, segundo dados obtidos em pesquisa de doutorado em História da Universidade Federal Fluminense (UFF), contaram com a presença de outras organizões políticas de direita, como militantes do Partido de Reeestruturação da Ordem Nacional (PRONA) e da organização Tradição Família e Propriedade (TFP), organização existente em vários países.
As milícias civis, em sua diversidade, são um componente característico das organizações de extrema direita na contemporaneidade e deram sustentação para elites reorganizarem a ordem moral e social em momentos de agravamento de conflitos sociais. No Rio de Janeiro as milícias existem desde a década de 1970, controlando algumas comunidades da cidade onde comerciantes locais se organizaram para pagar proteção contra a criminalidade.
No início século XXI, estes grupos paramilitares começaram a competir pelas áreas controladas pelas facções do tráfico de drogas. Em dezembro de 2006, segundo dados disponíveis na internet, as milícias controlavam 92 das mais de 500 favelas cariocas.
Entre o caos e a violência que marcam a "cidade maravilhosa", os "cidadãos de bem" no mês de janeiro de 2009 podem ficar mais tranquilos, pois os paladinos da ordem, os "cães de guarda da burguesia" estão atuantes, por interesses materiais ou ideológicos, organizando-se e articulando-se com congêneres sob a égide do conservadorismo.
Para extremistas de ontem e hoje a ordem é pressuposto fundamental, velhas bandeiras se confundem com novas siglas e adereços estéticos e, como colocou em evidência o grupo Guardian Angels do Brasil, alguns ainda acreditam em arte degenerada, como o fizeram antigos nazistas na também notória exposição ocorrida na Alemanha na primeira metade do século XX.

segunda-feira, 20 de abril de 2009

Genocídio negro como política de estado


Em Salvador/BA, governo do estado e prefeitura acobertam e incentivam assassinatos de jovens negros da periferia. Entre janeiro e setembro de 2008, 1450 pessoas foram mortas pela polícia baiana; a maioria jovem, pobre e afrodescendente.


"Ninguém se comove quando o corpo que está no chão é negro. Corpo negro no chão não gera comoção em ninguém". Com esse desabafo, Lio N'Zumbi,integrante da Associação de Familiares e Amigos de Presos e Presas da Bahia (Asfap-BA) e do Movimento Reaja ou Será Mort@, resumiu o sentimento da população pobre e negra da Bahia frente à violência policial. O assunto foi tema da segunda sessão do Tribunal Popular, realizada no dia 4 de dezembro, em São Paulo, e que tratou da perseguição e do extermínio da juventude negra no Estado.
N'Zumbi, que foi o acusador da sessão, relatou que, sob o argumento de disputas entre traficantes, centenas de jovens são executados nas periferias baianas, a maioria com o mesmo perfil: jovens negros, entre 15 e 29 anos, com baixa escolaridade. Para ele, no entanto, o que ocorre é um verdadeiro extermínio, posto em prática por policiais e, de forma crescente, por grupos paramilitares: "Existe uma pena de morte que não está na nossa Constituição, mas que na prática existe, executada por agentes do Estado".
De acordo com dados da Asfap-BA, entre janeiro e setembro de 2007, 660 pessoas foram assassinadas pela polícia. No mesmo período de 2008, esse número dobrou, passando para 1450 mortos. A maioria das vítimas, segundo a Associação, nem mesmo tinha antecedentes criminais.
A violência, conforme os depoimentos das vítimas, tornou-se mais visível no ano passado, quando voltou a funcionar a Polícia da Caatinga (também chamada de Polícia do Sertão). Essa força, que perseguia o bando de Lampião na Caatinga nordestina, tem como lema "Pai faz, mãe cria e a polícia do sertão mata", frase que, inclusive, está estampada em suas viaturas.
Sistema carcerário
A sessão também abordou as más condições do sistema carcerário baiano, com ênfase na colônia penal Simões Filho. Além de ter sido construída em área de quilombo, o que é ilegal, a unidade localiza-se a menos de 400 metros de alguns dutos de produtos químicos do Pólo Petroquímico de Camaçari, que liberam gases tóxicos.
De acordo com um relatório lido por estudantes de Direito da Universidade Estadual da Bahia (Uneb), são indignas as condições dos presos, que não têm acesso a sistema de saúde e alimentação adequada. Em conseqüência disso, eles morrem de doenças que, hoje, são facilmente evitáveis, como tuberculose e diarréia.
Além de torturas sistemáticas e humilhações, inclusive contra familiares, o relatório alerta para a retaliação sofrida pelos internos, por meio de espancamentos e transferência para presídios de segurança máxima. Segundo parentes dos presos, já circulava na Bahia a informação de que, em represália à participação de mulheres de detentos no Tribunal Popular, vários deles seriam transferidos para unidades mais severas.
Ações concretas
Para N'Zumbi, o Tribunal conseguiu dar voz àqueles que, historicamente, são obrigados a se manter calados. "Viemos como acusadores, mas também como testemunhas e potenciais vítimas. A cor da nossa pele que define isso", destaca.
A opinião é compartilhada pelo também integrante da Asfap-BA, Hamilton Borges, que avalia que o Tribunal alcançou sua meta: "Cumprimos o objetivo de mostrar a situação de violência na Bahia. E os fatos não foram revelados por pesquisadores ou pessoas que estudam a violência, e sim por pessoas diretamente expostas a ela", avalia.
Borges também explica que, além da punição moral, as entidades estão discutindo ações concretas contra o Estado, em parceria com os pesquisadores e juristas que compareceram ao julgamento, a fim de que as denúncias não caiam no esquecimento. "Não se pode esquecer dessas pessoas, são vidas de pessoas que estão jogadas aqui, tem que fazer alguma coisa concreta, deve-se buscar reparação para essas pessoas aqui expostas".
Relato de um sobrevivente
A violência contra K.A. deixou marcas bem maiores do que somente uma lembrança ruim. No seu corpo, ainda se alojam duas balas, uma delas na medula, que pode deixá-lo tetraplégico.
K.A.foi baleado em março do ano passado. Junto com ele estava C.S.S., seu companheiro de movimento hip-hop e da Campanha Reaja ou Será Mort@. O primeiro conta que os dois estavam andando em uma rua de Salvador quando foram abordados por policiais militares em uma viatura, que pediram para os jovens levantarem a camisa para ver se estavam armados.
Momentos depois do veículo partir, eles foram abordados por dois homens, armados e à paisana, que os obrigaram a se ajoelhar, colocar as mãos na cabeça e tirar os bonés. K.A. e C.S.S. tentaram explicar que não haviam feito nada, mas, em seguida, os homens começaram a atirar. "Não deu tempo para se defender, chegaram atirando, chegaram na maldade, foi um ato de covardia mesmo. Eles ainda disseram 'e agora, negão, cadê vocês?'", relata K.A.
Ele levou três tiros, mas caiu consciente. Quando uma viatura chegou para socorrê-los, os policiais afirmaram que tratava-se de um caso de guerra entre gangues rivais. A comunidade, no entanto, não deixou que K.A. fosse levado pela polícia. "Todo mundo sabe disso lá, eles dão socorro mas acabam matando no meio do caminho, dizendo que a gente revidou", diz.
A espingarda calibre 12, que foi usada contra K.A., foi levada pelos PMs que tentaram socorrê-lo. A arma, porém, desapareceu depois. C.S.S. não sobreviveu aos tiros. Já K.A. ficou com seqüelas e hoje caminha com dificuldades. "O que eles fizeram não vai ser pago, porque eu não sou mais o mesmo desde que aconteceu isso. Eu estou com alguns problemas, mas C.S.S. perdeu a vida dele”.
Além de nunca ter recebido qualquer assistência do governo, nem mesmo passe livre, ele passou a ser perseguido e a sofrer ameaças, por ser testemunha da atuação de grupos de extermínio em Salvador.

Tentativa de suborno
Dona E., que teve o filho de 13 anos morto pela polícia, recebeu, em agosto deste ano, uma visita inesperada quando chegava do trabalho. Na porta de sua casa estavam três viaturas, policiais armados e um delegado de polícia, sem mandado, a fim de intimidá-la. Dona E. relata que, sem qualquer razão, o delegado bateu em seu rosto e a ofendeu, na frente de sua família.
Ela também conta que, ao tentar registrar queixa na delegacia onde atuava o delegado, os policiais avisaram que não iria adiantar. No entanto, o procedimento foi realizado, apenas com informações do delegado, que alegou que Dona E. havia tentado agredi-lo.
Para piorar, ela ainda denuncia uma tentativa de suborno. "O delegado tentou me convencer que aquilo não iria dar em nada e depois tirou cem reais e me deu. Eu disse que não iria aceitar, porque aquilo não iria pagar a humilhação que eu sofri e as pancadas que ele me deu", afirma.
Depois de recusar o dinheiro, ela recebeu um “alerta” do delegado: "E disse que me mataria, que mataria meus outros filhos, mataria minha mãe e toda a minha família". Por causa das ameaças, Dona E. não dorme mais direito à noite, com medo que a polícia invada sua casa.
Em seu depoimento no Tribunal, ela pediu providências para as arbitrariedades das forças se segurança. "Eles são acostumados a fazer isso, não falo só por mim, que já sofri minha violência. Um jovem é morto do nada e acaba sendo enterrado como marginal, e a maioria nem marginal é. Eles chegam matando e não querem saber", conclui.

A Somália precisa dos Piratas

"Guarda Costeira Voluntária da Somália"

O governo da Somália entrou em colapso em 1991. Nove milhões de somalianos passam fome desde então. Misteriosos navios europeus jogam lixo nuclear no litoral da Somália.

5/1/2009, Johann Hari: *The Independent* , UK


Quem imaginaria que em 2009, os governos do mundo declarariam uma nova Guerra aos Piratas? No instante em que você lê esse artigo, a Marinha Real Inglesa - e navios de mais 12 nações, dos EUA à China - navegam rumo aos mares da Somália, para capturar homens que ainda vemos como vilãos de pantomima, com papagaio no ombro. Mais algumas horas e estarão bombardeando navios e, em seguida, perseguirão os piratas em terra, na terra de um dos países mais miseráveis do planeta. Por trás dessa estranha história de fantasia, há um escândalo muito real e jamais contado. Os miseráveis que os governos 'ocidentais' estão rotulando como "uma das maiores ameaças de nosso tempo" têm uma história extraordinária a contar - e, se não têm toda a razão, têm pelo menos muita razão. Os piratas jamais foram exatamente o que pensamos que fossem. Na "era de ouro dos piratas" - de 1650 a 1730 - o governo britânico criou, como recurso de propaganda, a imagem do pirata selvagem, sem propósito, o Barba Azul que ainda sobrevive. Muita gente sempre soube disso e muitos sempre suspeitaram da farsa: afinal, os piratas foram muitas vezes salvos das galés, nos braços de multidões que os defendiam e apoiavam. Por quê? O que os pobres sabiam, que nunca soubemos? O que viam, que nós não vemos? Em seu livro *Villains Of All Nations*, o historiador Marcus Rediker começa a revelar segredos muito interessantes. Se você fosse mercador ou marinheiro empregado nos navios mercantes naqueles dias se vivesse nas docas do East End de Londres, se fosse jovem e vivesse faminto-, você fatalmente acabaria embarcado num inferno flutuante, de grandes velas. Teria de trabalhar sem descanso, sempre faminto e sem dormir. E, se se rebelasse, lá estavam o todo-poderoso comandante e seu chicote [ing. *the Cat O' Nine Tails*, lit. "o Gato de nove rabos"]. Se você insistisse, era a prancha e os tubarões. E ao final de meses ou anos dessa vida, seu salário quase sempre lhe era roubado. Os piratas foram os primeiros que se rebelaram contra esse mundo. Amotinavam-se nos navios e acabaram por criar um modo diferente de trabalhar nos mares do mundo. Com os motins, conseguiam apropriar-se dos navios; depois, os piratas elegiam seus capitães e comandantes, e todas as decisões eram tomadas coletivamente; e aboliram a tortura. Os butins eram partilhados entre todos, solução que, nas palavras de Rediker, foi "um dos planos mais igualitários para distribuição de recursos que havia em todo o mundo, no século 18 ". Acolhiam a bordo, como iguais, muitos escravos africanos foragidos. Os piratas mostraram "muito claramente- e muito subversivamente- que os navios não precisavam ser comandados com opressão e brutalidade, como fazia a Marinha Real Inglesa." Por isso eram vistos como heróis românticos, embora sempre fossem ladrões improdutivos. As palavras de um pirata cuja voz perde-se no tempo, um jovem inglês chamado William Scott, volta a ecoar hoje, nessa pirataria *new age* que está em todas as televisões e jornais do planeta. Pouco antes de ser enforcado em Charleston, Carolina do Sul, Scott disse: "O que fiz, fiz para não morrer. Não encontrei outra saída, além da pirataria, para sobreviver". O governo da Somália entrou em colapso em 1991. Nove milhões de somalianos passam fome desde então. E todos e tudo o que há de pior no mundo ocidental rapidamente viu, nessa desgraça, a oportunidade para assaltar o país e roubar de lá o que houvesse. Ao mesmo tempo, viram nos mares da Somália o local ideal onde jogar todo o lixo nuclear do planeta. Exatamente isso: lixo atômico. Nem bem o governo desfez-se (e os ricos partiram), começaram a aparecer misteriosos navios europeus no litoral da Somália, que jogavam ao mar contêineres e barris enormes. A população litorânea começou a adoecer. No começo, erupções de pele, náuseas e bebês malformados. Então, com o tsunami de 2005, centenas de barris enferrujados e com vazamentos apareceram em diferentes pontos do litoral. Muita gente apresentou sintomas de contaminação por radiação e houve 300 mortes. Quem conta é Ahmedou Ould-Abdallah, enviado da ONU à Somália: "Alguém está jogando lixo atômico no litoral da Somália. E chumbo e metais pesados, cádmio, mercúrio, encontram-se praticamente todos." Parte do que se pode rastrear leva diretamente a hospitais e indústrias européias que, ao que tudo indica, entrega os resíduos tóxicos à Máfia, que se encarrega de"descarregá-los" e cobra barato. Quando perguntei a Ould-Abdallah o que os governos europeus estariam fazendo para combater esse 'negócio', ele suspirou: "Nada. Não há nem descontaminação, nem compensação, nem prevenção."Ao mesmo tempo, outros navios europeus vivem de pilhar os mares da Somália, atacando uma de suas principais riquezas: pescado. A Europa já destruiu seus estoques naturais de pescado pela superexploração - e, agora, está superexplorando os mares da Somália. A cada ano, saem de lá mais de 300 milhões de atum, camarão e lagosta; são roubados anualmente, por pesqueiros ilegais. Os pescadores locais tradicionais passam fome. Mohammed Hussein, pescador que vive em Marka, cidade a 100 quilômetros ao sul de Mogadishu, declarou à Agência Reuters: "Se nada for feito, acabarão com todo o pescado de todo o litoral da Somália. "Esse é o contexto do qual nasceram os "piratas" somalianos. São pescadores somalianos, que capturam barcos, como tentativa de assustar e dissuadir os grandes pesqueiros; ou, pelo menos, como meio de extrair deles alguma espécie de compensação. Os somalianos chamam-se "Guarda Costeira Voluntária da Somália". A maioria dos somalianos os conhecem sob essa designação. Pesquisa divulgada pelo *site* somalianoindependente *WardheerNews* informa que 70% dos somalianos "aprovam firmemente a pirataria como forma de defesa nacional". Claro que nada justifica a prática de fazer reféns. Claro, também, que há gângsteres misturados nessa luta - por exemplo, os que assaltaram os carregamentos de comida do World Food Programme. Mas em entrevista por telefone, um dos líderes dos piratas, Sugule Ali disse: "Não somos bandidos do mar. Bandidos do mar são os pesqueiros clandestinos que saqueiam nosso peixe." William Scott entenderia perfeitamente. Por que os europeus supõem que os somalianos deveriam deixar-se matar de fome passivamente pelas praias, afogados no lixo tóxico europeu, e assistir passivamente os pesqueiros europeus (dentre outros) que pescam o peixe que, depois, os europeus comem elegantemente nos restaurantes de Londres, Paris ou Roma? A Europa nada fez, por muito tempo. Mas quando alguns pescadores reagiram e intrometeram- se no caminho pelo qual passa 20% do petróleo do mundo... imediatamente a Europa despachou para lá os seus navios de guerra. A história da guerra contra a pirataria em 2009 está muito mais claramente narrada por outro pirata, que viveu e morreu no século 4º AC. Foi preso elevado à presença de Alexandre, o Grande, que lhe perguntou "o que pretendia, fazendo-se de senhor dos mares." O pirata riu e respondeu: "O mesmo que você, fazendo-se de senhor das terras; mas, porque meu navio é pequeno, sou chamado de ladrão; e você, que comanda uma grande frota, é chamado de imperador." Hoje, outra vez, a grande frota europeia lança-se ao mar, rumo à Somália - mas... quem é o ladrão?