Janis Joplin na antiga praia do Rio Vermelho. Ao fundo, a igreja de Santana.
A circulação pública de uma celebridade internacional por Salvador dificilmente passaria despercebida nos dias de hoje. Mas não era assim em março de 1970. Os tempos eram dos hippies. E Janis Joplin (1943-1970) era a rainha deles. A cantora americana, uma das maiores da história, havia passado como um furacão pelo Rio. Fez topless em Ipanema e foi expulsa do Copacabana Palace por nadar nua na piscina. Depois do fuzuê na capital carioca, ela queria ficar longe daquilo tudo e recebeu a indicação de Ricky, um surfista, para vir para Salvador encontrar um amigo chamado Luís Martins. É Lula, como é conhecido atualmente o artista plástico de 64 anos, que resgata a passagem de Janis por Salvador. Vivendo desde 1975 em Ibiza, Espanha, ele topou contar esta história pela primeira vez na imprensa ao CORREIO: “Foram quatro dias mágicos, que mudaram minha vida”, garante.
Janis chegou a Salvador com o namorado David de autostop, ou seja, pegando carona na estrada. A casa de Lula, na Praia do Rio Vermelho (onde hoje ficam as quadras de futebol), era ponto de encontro de uma turma ligada na cultura mundial. Gostavam do ideal hippie, mas tinham grana. A chave era escondida num local que só os mais íntimos conheciam.
O artista, que ouvia incessantemente o álbum Cheap thrills, não estava no local quando a cantora chegou. “Me ligaram dizendo: ‘Vem correndo pra cá que tem uma pessoa muito especial aqui’. Me aproximei. Ela veio andando, parecia uma miragem. Eu pensei: ‘Não é possível!’”, relembra. Com inglês básico, a primeira medida de Lula foi chamar a amiga Judy Spencer. Filha da atriz Nilda Spencer (1923-2008) e hoje com 62 anos, ela tinha passado uma temporada nos EUA e era fluente. “Janis tinha uma energia incrível. Ela ficou deslumbrada com aquele grupo naïf. Éramos como os primos mais jovens dela”. A interação foi imediata e a cantora e o namorado acabaram hospedados na casa de Lula. Para a sorte de todos, ninguém reconhecia Janis nas ruas. A turma levou ela, inclusive, para visitar o Mercado Modelo. Judy, que mais conversava com Janis, se tornou amiga. “Ela adorou a Bahia e os baianos”, conta, de São Paulo, por e-mail a, hoje, empresária. De acordo com Lula, a rotina de Janis era acordar de manhã e dar um mergulho nas águas da Praia do Rio Vermelho, muitas vezes, com os seios de fora. Os amigos contam que o álcool (cachaça e tequila principalmente) era um companheiro de todas as horas. “Já acordava bebendo”, diz Lula. As drogas, como era normal entre os hippies, também tinham espaço, tanto marijuana como LSD.
“Fumou muita maconha e, para meu delírio, numa noite de lua cheia, dublou o disco I got dem ol' Kozmic Blues again mama (que eu tinha acabado de trazer dos States) para mim, enquanto eu, coberta de areia, na frente da casa do Lula, com outro grande amigo (Serginho Facchinetti), fazia uma good trip, aliás, uma wonderful trip”, recorda Judy. O grupo não suspeitava do vício em heroína da cantora, que veio ao Brasil para tentar se livrar da droga, inexistente por aqui na época. A noite sempre era hora de bater perna pelos bares da cidade. Uma das primeiras paradas era no extinto Anjo Azul (no Largo 2 de Julho), bem cedo, quando ainda estava vazio. Certa vez, a turma passou pelo ateliê de Gilson Rodrigues, próximo ao Museu de Arte Sacra, para pegá-lo. Numa das ladeiras próximas, Janis ouviu um som numa casa e quis entrar. “Subimos, bebemos e ela, felicíssima, se encantou com a dona do bordel”, conta o também artista plástico, hoje com 67 anos. Eles não imaginavam a surpresa da noite. De acordo com Lula, o guitarrista da banda do bordel percebeu de quem se tratava e, quando os companheiros saíram do palco, ele tocou os acordes de Summertime, maior clássico de Janis. “Baixou um santo nela, se ouriçou, saiu derrubando tudo”, revela Lula, emocionado com a lembrança.
O mito e o anônimo se entrosaram rapidamente e Janis Joplin, a rainha de Woodstock, mostrou todo seu talento em um puteiro soteropolitano. “Foi memorável, inacreditável. Ficamos com os olhos cheios de lágrimas”, diz. Na manhã do quinto dia, que ele prefere esquecer, Lula foi surpreendido por movimentos suspeitos perto de casa. Os paparazzi haviam descoberto a celebridade. O artista diz que o medo era que Janis achasse que eles tinham sido os informantes. Para acabar com a confusão, ela deu uma coletiva no mesmo dia. Antes, tentou se hospedar no Hotel da Bahia. Os funcionários não a reconheceram e a cantora, estressada, jogou maços de dólares na cara de todos. O último contato do baiano foi naquele dia. Do hotel, Janis partiu para Arembepe. Ela ainda chamou o artista e Judy para ir visitá-la nos EUA, mas não houve tempo: morreu de overdose meses depois. Janis Joplin deu um anel de ouro a Judy, que ela guarda até hoje. Já para Lula Martins, seu “maior troféu” é a memória. Quando Janis Joplin chegou a Arembepe, no Verão de 1970, o estilista Manu já tinha passado por lá e estava numa “viagem” pelo Peru. O então produtor artístico Missival ainda morava em São Paulo. Um ano depois, esses dois baianos se encontraram na antiga vila dos pescadores que tinha se transformado no paraíso preferido de astros do cinema e do rock. Quase quarenta anos depois, eles continuam em Arembepe. Missival, 62, ainda comanda a Pousada Fazenda Alegre, e Manu, 59, continua vendendo suas roupas feitas de algodão cru. Apesar de não terem se encontrado com Janis, eles se tornaram as únicas referências da passagem da artista pela vila.
O artista, que ouvia incessantemente o álbum Cheap thrills, não estava no local quando a cantora chegou. “Me ligaram dizendo: ‘Vem correndo pra cá que tem uma pessoa muito especial aqui’. Me aproximei. Ela veio andando, parecia uma miragem. Eu pensei: ‘Não é possível!’”, relembra. Com inglês básico, a primeira medida de Lula foi chamar a amiga Judy Spencer. Filha da atriz Nilda Spencer (1923-2008) e hoje com 62 anos, ela tinha passado uma temporada nos EUA e era fluente. “Janis tinha uma energia incrível. Ela ficou deslumbrada com aquele grupo naïf. Éramos como os primos mais jovens dela”. A interação foi imediata e a cantora e o namorado acabaram hospedados na casa de Lula. Para a sorte de todos, ninguém reconhecia Janis nas ruas. A turma levou ela, inclusive, para visitar o Mercado Modelo. Judy, que mais conversava com Janis, se tornou amiga. “Ela adorou a Bahia e os baianos”, conta, de São Paulo, por e-mail a, hoje, empresária. De acordo com Lula, a rotina de Janis era acordar de manhã e dar um mergulho nas águas da Praia do Rio Vermelho, muitas vezes, com os seios de fora. Os amigos contam que o álcool (cachaça e tequila principalmente) era um companheiro de todas as horas. “Já acordava bebendo”, diz Lula. As drogas, como era normal entre os hippies, também tinham espaço, tanto marijuana como LSD.
“Fumou muita maconha e, para meu delírio, numa noite de lua cheia, dublou o disco I got dem ol' Kozmic Blues again mama (que eu tinha acabado de trazer dos States) para mim, enquanto eu, coberta de areia, na frente da casa do Lula, com outro grande amigo (Serginho Facchinetti), fazia uma good trip, aliás, uma wonderful trip”, recorda Judy. O grupo não suspeitava do vício em heroína da cantora, que veio ao Brasil para tentar se livrar da droga, inexistente por aqui na época. A noite sempre era hora de bater perna pelos bares da cidade. Uma das primeiras paradas era no extinto Anjo Azul (no Largo 2 de Julho), bem cedo, quando ainda estava vazio. Certa vez, a turma passou pelo ateliê de Gilson Rodrigues, próximo ao Museu de Arte Sacra, para pegá-lo. Numa das ladeiras próximas, Janis ouviu um som numa casa e quis entrar. “Subimos, bebemos e ela, felicíssima, se encantou com a dona do bordel”, conta o também artista plástico, hoje com 67 anos. Eles não imaginavam a surpresa da noite. De acordo com Lula, o guitarrista da banda do bordel percebeu de quem se tratava e, quando os companheiros saíram do palco, ele tocou os acordes de Summertime, maior clássico de Janis. “Baixou um santo nela, se ouriçou, saiu derrubando tudo”, revela Lula, emocionado com a lembrança.
O mito e o anônimo se entrosaram rapidamente e Janis Joplin, a rainha de Woodstock, mostrou todo seu talento em um puteiro soteropolitano. “Foi memorável, inacreditável. Ficamos com os olhos cheios de lágrimas”, diz. Na manhã do quinto dia, que ele prefere esquecer, Lula foi surpreendido por movimentos suspeitos perto de casa. Os paparazzi haviam descoberto a celebridade. O artista diz que o medo era que Janis achasse que eles tinham sido os informantes. Para acabar com a confusão, ela deu uma coletiva no mesmo dia. Antes, tentou se hospedar no Hotel da Bahia. Os funcionários não a reconheceram e a cantora, estressada, jogou maços de dólares na cara de todos. O último contato do baiano foi naquele dia. Do hotel, Janis partiu para Arembepe. Ela ainda chamou o artista e Judy para ir visitá-la nos EUA, mas não houve tempo: morreu de overdose meses depois. Janis Joplin deu um anel de ouro a Judy, que ela guarda até hoje. Já para Lula Martins, seu “maior troféu” é a memória. Quando Janis Joplin chegou a Arembepe, no Verão de 1970, o estilista Manu já tinha passado por lá e estava numa “viagem” pelo Peru. O então produtor artístico Missival ainda morava em São Paulo. Um ano depois, esses dois baianos se encontraram na antiga vila dos pescadores que tinha se transformado no paraíso preferido de astros do cinema e do rock. Quase quarenta anos depois, eles continuam em Arembepe. Missival, 62, ainda comanda a Pousada Fazenda Alegre, e Manu, 59, continua vendendo suas roupas feitas de algodão cru. Apesar de não terem se encontrado com Janis, eles se tornaram as únicas referências da passagem da artista pela vila.
Conheci um jornalista baiano que esteve em Arembepe na época, e que teve até um dedo de prosa com Janis. Seu nome era Cléomar Brandi.
ResponderExcluir