sexta-feira, 20 de março de 2009

O Matriarcado Afroíndio


“Sagrado é o corpo do homem
como sagrado é o corpo da mulher,
sagrado – não importa de quem seja.
É o mais humilde numa turma de operários?
É um dos imigrantes de face turva
apenas desembarcados no cais?
São todos daqui ou de qualquer parte,
da mesma forma que os bens situados,
da mesma forma que qualquer um de vocês:
cada qual há de ter na procissão
o lugar dele ou dela.
Tudo é procissão,
todo o universo é uma procissão
em movimento medido e perfeito.” (Os filhos de Adão; Walt Whitman).
O Deus judeu que recriou o mundo à imagem do macho nos legou a idéia de pecado, relacionando-o à idéia de ruptura com a ordem divina, ao apelo ao arrependimento e à regeneração do ser interior através da confissão. Adão e Eva são filhos da sociedade patriarcal nascida com a guerra, que relegou a mulher a um papel secundário na história da humanidade. Expulsos do paraíso, eles permanecerão juntos não pelo amor ou pelo desejo, mas pelo sacrifício e sofrimento de seu pecado original – o conhecimento do amor. Amor que se confunde com o humanismo tradicional, símbolo da boa consciência dominadora. Sua característica básica é a submissão: Eva deve se submeter ao marido e este à autoridade. Amor e pecado formarão para sempre um laço de medo, temor, traição, castigo e martírios. Os judeus descobriram desde cedo que o amor natural é um feroz inimigo do poder e da autoridade. Desta forma o amor sempre fora associado ao pecado, pela tradição judaico-cristã.
A iluminação espiritual na direção do matriarcado Afro-índio nos revela a apreciação dos mitos originais da nossa raça e nos distancia dos antigos colonizadores ibéricos que trouxeram a bandeira da igreja ao lado da suprema vontade de dilatar o império. O pecado antes da invasão da “boa consciência do colonizador” era para nós no máximo a violação de um tabu ou a falta a uma regra de culto. A idéia de pecado fundada pela razão conservadora é essencialmente o pecado contra a ordem, um erro do juízo e do gosto. A doutrina calvinista coloca o perdão dos pecados, a reconciliação, a justiça e a santificação como uma decisão de Deus tomada desde toda a eternidade. Lutero sustentava que o pecado era constitutivo da natureza humana, da sua essência desde o momento da concepção, independente das palavras, das obras e, conseqüentemente, de toda a vida.
O homem natural vivendo num matriarcado é diferente do homem civilizado, fundador da concepção de pecado fortemente marcada pelo pensamento judaico-cristão associado ao mal-estar perante a revelação da desventura do mundo, perante a impotência contra a burocracia e a tecnocracia. A compreensão do pecado baseada na utopia “liberadora da irrealidade” (Glauber Rocha; Eztética do Sonho; Nova York, 1971), revela que a humildade do homem já não pode ser humilhação, medo e alienação. A possibilidade de redenção pelo excesso de pecado é uma metáfora barroca da incorporação do prazer à vida. O mito do povo verbal, falante, enérgico, anárquico e místico, com muito ritmo e erotismo. A utopia subversiva sugerida pelo mito, mediada pela liberação anárquica que é o matriarcado antropofágico, diante de uma realidade violenta, sádica e masoquista, da crueza, da corrosão dos valores, da invenção delirante da castidade para negar o próprio corpo: “Para conhecer a santidade será preciso conhecer o pecado”. A verdadeira força “religiosa” está num comportamento emocional dionisíaco, resultado da mistura entre o catolicismo sincrético e as religiões africanas. A energia que tem a sua origem no misticismo, que libertará da opressão e da crise moral do pecado. O “pecado” proclamado pelas novas igrejas protestantes; combatido e denunciado pelos formadores de opinião e da consciência alheia. O “pecado” vivenciado em toda a sua urgência pela razão da ordem e do desenvolvimento e, sobretudo, o “Pecado” que nega a violência em nome de uma comunidade fundada pelo sentido do amor ilimitado entre os homens. “Os Deuses Afro-índios negarão a mística colonizadora do catolicismo, que é feitiçaria da repressão e da redenção moral dos ricos.”(Glauber Rocha; Eztética do Sonho; Nova York, 1971). Como disse também Borges: “Creio que no nosso impenetrável destino, em que regem infâmias como a dor física, todas as coisas extravagantes são possíveis, até mesmo a perpetuidade de um inferno, porém acredito também que é uma irreligiosidade crer nele”.

A RELIGIÃO NA CONVIVÊNCIA HUMANA

HORDA – Religião vista como “pânico místico”.
TRIBO – Religião como origem da cerimônia ritual.
SISTEMA TOTÊMICO – Religião como origem do ascetismo religioso e da restrição sexual.
FAMÍLIA – Religião como reforço do ascetismo. Consagração religiosa do matrimônio, opressão e interiorização do super ego.
ESTADO – Secularização. Consagração civil do matrimônio.
CENTRO CÍCLICO DE PODER – Religião como fenômeno político.
UTOPIA - Religião como Transcendência.


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