O maior grupo indígena do país luta para escapar do extermínio, enquanto o fim do governo Lula consagrará um atraso de dezessete anos na demarcação de suas terras.
A reportagem especial é de Joana Moncau e Spensy Pimentel e publicada pela Caros Amigos, 13-10-2010.
Imagine um lugar onde as pessoas têm expectativa de vida inferior à de países africanos em guerra, onde a taxa de assassinatos é semelhante à dos bairros mais violentos de metrópoles como São Paulo e Rio, e onde as taxas de suicídio estão entre as maiores do mundo. Imagine uma situação de racismo tal que você não pode frequentar um hospital, delegacia ou escola, nem ouvir a rádio, assistir às TVs ou ler os jornais sem ser humilhado cotidianamente. Imagine mais: além disso tudo, essa é a terra onde você nasceu, mas que lhe foi retirada à força por pessoas que se instalaram ali com o apoio do governo do seu próprio país, obrigando-o a se refugiar no país vizinho para sobreviver. E, se não bastasse tudo isso, quando você tentou voltar para recuperar o que era seu por direito, foi tachado de estrangeiro.
Esse lugar surreal fica no Brasil, no sul de Mato Grosso do Sul. Tal quadro permaneceu, por muitos anos, praticamente desconhecido da grande maioria dos brasileiros. Agora, cada vez mais, o drama dos Guarani-Kaiowá vem chamando a atenção do restante do país e da comunidade internacional, e o presidente Lula encara o desafio de apresentar, até o fim de seu governo, em dezembro, um avanço real na solução dos problemas desses indígenas, sob pena de o país completar dezessete anos, e mais de quatro mandatos presidenciais, sem resolver o problema. A Constituição de 1988 determinou que a demarcação das terras indígenas seria concluída em cinco anos depois da promulgação da Carta.
Só em 2010 foram quatro os relatórios internacionais que sublinharam a questão. Primeiro, um documento lançado em janeiro pelas Nações Unidas. Depois, um relatório produzido pela ONG Survival International exclusivamente para tratar do tema, lançado em março. “A ocupação e usurpação de suas terras pela indústria e ações governamentais têm resultado uma situação desesperadora”, aponta o texto da Survival. E complementa: “A situação dos Guarani no MS é uma das piores entre todos os povos indígenas da América”. Em abril, a ONG Repórter Brasil também denunciou, no Brasil e na Europa, a ocupação de terras kaiowá já reconhecidas por lavouras de cana (ver o próximo texto). Em maio, a Anistia Internacional, em seu relatório anual, destacou o caso ao falar dos direitos indígenas no país.
Enquanto a crise se agrava, outros estão mais preocupados com o sagrado direito à propriedade. “Confesso que, em Dourados, voltei a sentir medo”, afirmou a atriz Regina Duarte em visita a uma exposição agropecuária na cidade, em 2009. Na ocasião, a atriz global, pecuarista e garota-propaganda de José Serra nas eleições de 2002 mostrou-se solidária aos fazendeiros diante da “ameaça” das demarcações de terras. “O direito à propriedade é inalienável”, explicou.
Por outro lado, têm sido cada vez mais frequentes as manifestações de entidades e personalidades em apoio à causa dos Guarani-Kaiowá. No início do ano, em carta, a senadora Marina Silva (PV-AC) alertou Lula para o “grau extremo da crise humanitária” pela qual o grupo passa atualmente. Em março, após visita ao MS, o secretário-geral da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), dom Dimas Lara Barbosa, também enviou carta a Lula, pedindo agilidade nas demarcações das terras indígenas desses indígenas. Ainda em março deste ano, uma missão do Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana, órgão de Estado ligado à Secretaria Especial dos Direitos Humanos (SEDH) foi avaliar a situação para fazer uma série de recomendações ao governo federal.
O presidente Lula já discutiu o caso guaranikaiowá por pelo menos três vezes só este ano. Em fevereiro, chegou a declarar a políticos e fazendeiros que iria providenciar a compra emergencial de terras para os indígenas. Depois, em junho, assistiu a exposição sobre o problema em reunião da Comissão Nacional de Política Indigenista (CNPI), órgão ligado à Funai que reúne representantes dos povos indígenas de todo o país. Em agosto, em visita a Dourados (MS), ele se reuniu a portas fechadas com lideranças do grupo e reiterou o compromisso de avançar na resolução do problema até o fim de seu mandato. Também em agosto, centenas de lideranças indígenas de todo o país expressaram seu apoio aos Guarani-Kaiowá com a realização do 7° Acampamento Terra Livre em Campo Grande.
A terra é o ponto nevrálgico da discussão: todos os observadores externos percebem a extrema necessidade de ampliar as áreas disponíveis para as comunidades. Ao mesmo tempo, todos os adversários dos indígenas se opõem, exatamente, às novas demarcações. Em 2008, após assinar um Compromisso de Ajustamento de Conduta com o Ministério Público Federal, a Funai lançou seis grupos de trabalho de identificação das terras guarani-kaiowá, abrangendo 26 municípios do Cone Sul do MS. A ideia era resolver, de uma vez por todas, o déficit na demarcação de terras ali.
O resultado da iniciativa é que o conflito com os ruralistas tornou-se ainda mais forte e evidente. “Produtores declaram guerra aos índios”, destacaram as manchetes locais na época. Para essa situação atentou outro relatório da ONU, de 2009. O relator especial James Anaya, que visitou o estado, escreveu: “Tensões entre povos indígenas e colonos não indígenas têm sido particularmente frequentes no MS, onde os povos indígenas sofrem pela falta de acesso às suasterras tradicionais, pela extrema pobreza e pelos problemas sociais daí decorrentes; a situação deflagrou uma série de atos violentos, marcados por grande número de assassinatos de índios, bem como pela perseguição criminal aos indígenas que lutam por esse direito”.
Enquanto isso, o problema era minimizado pelo próprio governador do estado, André Puccinelli (PMDB). Em abril de 2009, ele afirmava: “Eles não querem tanta terra como a Funai quer dar a eles. Os índios querem menos terra e mais programas sociais”. Edite de Souza, sobrinha de Marçal de Souza, um dos mais famosos líderes guarani, assassinado em 1983, retruca: “É mentira do governador! Ele não faz reunião com os indígenas, como é que ele vai saber se nós queremos ou não a terra? Nós queremos a terra!”.
Na época, Puccinelli ameaçava, em caso de prosseguimento dos trabalhos da Funai: “Muitas vidas (de índios e não índios), possível e infelizmente, poderão se perder, tendo em vista o inevitável conflito que se estabelecerá entre os envolvidos”. O deputado estadual Jerson Domingos foi ainda mais enfático. Anunciou que poderia haver um “banho de sangue”.
Faceta mais sutil da luta contra as demarcações de terras indígenas é a “teoria da conspiração” difundida inclusive na imprensa nacional. O filósofo gaúcho Denis Lerrer Rosenfield vem publicando artigos contra os Guarani desde 2008, quando chegou a passear pelo MS dando entrevistas como consultor dos fazendeiros. Para ele, as demarcações escondem a intenção de articular um movimento separatista.
O efeito prático de ações como essa é alimentar preconceitos. “Há entre a população sul-matogrossense uma postura claramente anti-indígena. Isso, infelizmente, é dito pelo governador, passando pelos deputados e os veículos de comunicação”, aponta o procurador da República Marco Antonio Delfino, de Dourados.
Em 2008, chegou-se a dizer que um terço do estado seria transformado em terra indígena, semeando pânico na população. Ao contrário do que o alarmismo de alguns latifundiários quer fazer crer, as terras reivindicadas nesse estado, segundo avaliações preliminares dos antropólogos, não chegam a 1 milhão de hectares, ou seja, menos de um décimo do que se apregoava na época – a extensão exata só poderá ser aferida quando os estudos determinarem, afinal, as áreas reivindicadas pelos índios.
Dor invisível
O problema é antigo, mas, mesmo se considerarmos apenas os números do ano passado para cá, o quadro já seria desesperador. Foram registrados ao menos quatro casos graves de conflitos envolvendo as comunidades de Laranjeira Nhanderu, Kurusu Ambá, Mbaraka’y e Ypo’i.
O resultado: pelo menos três mortos, dois desaparecidos e cinco baleados, além de diversos episódios de espancamentos, atropelamentos suspeitos e pelo menos um acampamento de beira de estrada incendiado. Um quinto caso registrado nesse período não está, aparentemente, relacionado à questão da terra, porém, talvez seja o mais sintomático da situação dos Kaiowá: em setembro de 2009 o acampamento da comunidade de Apykay, instalado na beira da BR-463, foi incendiado, e um indígena foi baleado. O crime configurou tentativa de genocídio e o inquérito está em tramitação.
“A motivação pelo ataque em Apyka’y não foi uma motivação em defesa da propriedade, foi uma motivação inteiramente étnica, ‘vamos atacar os índios porque são índios’. Ou seja, há uma tentativa de exterminar parte de um grupo indígena que se caracteriza como um tipo de genocídio”, explica o procurador Delfino. “A sociedade sul- matogrossense nega que exista o índio, diz que na verdade quem está lá são os paraguaios, isso é a invisibilização da comunidade.”
Esses seres “invisíveis”, entretanto, formam o maior grupo indígena do Brasil: são 45 mil pessoas. A dificuldade de enxergá-los como “índios”, em parte, decorre da miséria a que estão submetidos. Os Guarani-Kaiowá vivem em pequenas “ilhas” de terra que, somadas, alcançam pouco mais que 42 mil hectares – compare-se com o 1,7 milhão de hectares da Terra Indígena Raposa Serra do Sol, onde vivem 20 mil pessoas. Acossados pelos fazendeiros, rodeados por pastagens e plantações de soja e cana, sem terra, nem mata – da mata original ali não restam mais que 2% –, lutam a duras penas para sobreviver.
Sintomas desse ambiente desfavorável são os problemas apontados nos relatórios citados. Levantamentos do Cimi indicam que ocorrem ali mais da metade dos assassinatos registrados entre indígenas em todo o país – foram 33, dos 60 anotados em 2009, e 42, também de 60, em 2008. Grande parte deles são conflitos entre as famílias indígenas, acentuados pela escassez de recursos e comida, mas há também vários crimes de perseguição política. Segundo o MPF, atualmente correm processos referentes a 13 conflitos mais graves envolvendo indígenas de áreas não demarcadas e proprietários de terra, desde 2000.
Também há alto índice de suicídios, principalmente entre jovens. Só em 2008, foram 34 casos. Em 2009, 18. A taxa de suicídios, portanto, em determinados anos, pode chegar a mais de 100 por 100 mil habitantes, contra a média nacional de 5,7 por 100 mil, segundo dados da Fundação Nacional de Saúde.
Sem possibilidade de viver da coleta, caça ou plantio, ainda segundo a Funasa, 80% das famílias dependem da distribuição de cestas básicas. Quando, em 2007, o serviço de fornecimento foi suspenso temporariamente, sete crianças morreram de subnutrição no estado, onde o índice de desnutrição infantil em populações indígenas é o mais alto do Brasil.
Com tudo isso, a expectativa de vida entre os Kaiowá é de 45 anos, quando a média brasileira é de 72,7 anos. Aos que sobrevivem, resta buscar trabalho, muitas vezes em condições irregulares, nas usinas e fazendas da região (veja matéria a seguir), ou a mendicância nas cidades. Sempre enfrentando muito preconceito.
A discriminação racial é tão comum quemesmo figuras públicas não têm nenhum pudor em externá-la. Em março de 2008, foi aprovado na Câmara Municipal de Iguatemi (MS), o pedido de um vereador para que “intervenham junto à Funai para resolver o problema das residências ilegais dos diversos indígenas na cidade”. “Tal indicação se faz necessária”, dizia o pedido, tendo em vista que os indígenas “vivem embriagados, vivendo da coleta e sobras de lixo”. E continuava: “É uma vergonha para nossa cidade deixar esta situação exposta aos olhos de futuros investidores e empresários”.
Outro caso grave foi o artigo publicado pelo advogado Isaac Barros, em 2008, no maior jornal da região de Dourados. Intitulado “Índios e Retrocesso” o texto levou o MPF a ajuizar ação criminal por racismo e ação por danos morais contra o autor, que se refere aos índios como “bugrada”. O artigo afirma que os índios “se assenhoram das terras como verdadeiros vândalos, cobrando nelas os pedágios e matando passantes” e ainda os chama de “malandros e vadios”. O processo ainda esta tramitando, e a reparação pelo dano moral pode exceder R$ 30 milhões.
Não bastasse toda a discrimação, o MS é o estado com o maior número de detentos indígenas (148 no início de 2009, conforme divulgado pela imprensa), e casos recentes, como o da área conhecida como Kurusu Ambá, demonstram que a criminalização de lideranças já setornou uma estratégia na luta contra os índios.
Em novembro de 2009, pela quarta vez desde 2007, um grupo kaiowá de cerca de 250 indígenas ocupou a terra tradicional de Kurusu Ambá, de onde relatam ter sido retirados nos anos 70. A área fica próxima a Coronel Sapucaia, na fronteira com o Paraguai. Passaram a ser sistematicamente ameaçados por grupos de pistoleiros, com tiroteios diuturnos. Um mês depois, o corpo do jovem de 15 anos Osmair Fernandes foi encontrado com marcas de tortura e espancamento. Até hoje, o caso não está esclarecido. Meses antes, em maio, o líder Osvaldo Lopes tinha sido morto.
Em 2007, na primeira ocupação, já morrera a xamã Xurite Lopes. Meses depois, Ortiz Lopes, outra liderança, também foi assassinado. Três crianças morreram desde 2007 por falta de atendimento médico – a Funasa, alinhada com o governo do Estado, se recusa a prestar assistência nas áreas em disputa. Ninguém ainda foi preso pelas mortes dos quatro indígenas, mas quatro deles estão foragidos depois de terem sido condenados por roubo – em uma armação dos fazendeiros, segundo o grupo –, e outra liderança está sendo processada por ser o suposto autor de disparos que atingiram quatro de seus companheiros no final de 2007, num episódio em que mais de 50 pessoas assistiram ao momento em que dois fazendeiros dispararam contra os índios. Atualmente, a área está em estudo pela Funai, e os indígenas continuam ocupando uma pequena fração da terra. A tradução do nome Kurusu Amba, “lugar da cruz”, ganhou significado especial com tantas mortes.
Por conta desse grau de dificuldade com a Justiça, explica-se a transferência de MS para a cidade de São Paulo, a pedido do MPF, do julgamento dos quatro acusados pela morte do cacique Marcos Verón. Aos 72 anos, ele foi morto a pauladas em sua comunidade, Takuara, em 2003, supostamente a mando do proprietário da fazenda Brasília do Sul. O julgamento foi suspenso e deve ser retomado em 2011. Sua filha Dirce Verón afirma: “Meu pai foi morto porque era uma peça-chave na luta pela terra, uma liderança que incomodava os pecuaristas”.
Como tudo começou
A presença guarani-kaiowá na região sul de MS é registrada desde o início da colonização. As primeiras reservas para o grupo foram criadas na década de 1910, pelo Serviço de Proteção ao Índio (SPI). O problema é que eram demarcadas conforme a conveniência dos brancos. As oito terras criadas somavam 18 mil hectares. À medida que o afluxo de colonos aumentou, os índios foram sendo pressionados a deixar as matas e entrar nessas áreas do SPI, ou ir para a beira da estrada. Muitos foram expulsos para o Paraguai, sob ameaças. Logo nos anos 80, as oito áreas antigas estavam superlotadas – Dourados, por exemplo, tem hoje mais de 12 mil pessoas em 3,5 mil hectares.
No mesmo período, os Guarani-Kaiowá organizaram sua resistência. Surgiu, então, o movimento conhecido como Aty Guasu, ou “grande reunião” (ver artigo nesta edição). A partir da união das dezenas de grupos locais, os indígenas conseguiram dar visibilidade para sua luta pela demarcação de suas terras, as quais chamam de tekoha – o lugar onde se pode viver conforme os costumes. Uma a uma, foram conquistando pequenas ilhas de terra: foram mais de 20, ao todo, hoje em diferentes estágios de regularização. Enquanto a solução vinha a conta-gotas, os problemas se acumulavam. A resistência dos fazendeiros se tornou cada vez mais violenta: de uns dez anos para cá, as mortes de indígenas durante as retomadas se tornaram frequentes.
Para tentar pôr fim aos problemas, de uma vez por todas, surgiu, em 2008, a iniciativa da Funai de lançar os tais GTs. O problema é que, além da oposição armada dos fazendeiros, os índios e a Funai têm de enfrentar a luta no Judiciário. São mais de 80 processos na Justiça Federal contra as demarcações. Para piorar, em ao menos um caso, o de Arroio Korá, homologada em dezembro de 2009, o ministro Gilmar Mendes desconsiderou que um grupo guarani fora alvo de esbulho e por isso não estava na área reivindicada por eles no ano de 1988 (marco temporal que, segundo o STF, determina se uma área pode ou não ser considerada terra indígena). Mas como estariam ali, se tinham sido expulsos pelos fazendeiros? Das três terras guarani-kaiowá homologadas por Lula em seu governo, duas tiveram a ocupação suspensa por liminar do STF. Além de Arroio Korá, há o caso da TI Nhanderu Marangatu, cuja liminar já completou cinco anos sem que haja sinal de que o caso será resolvido.
Resistência e tapetão
Não é apenas contra os indígenas que os fazendeiros reagem com truculência. Os integrantes dos grupos de identificação de terras têm sofrido ameaças. Em 2008, para solucionar o impasse, o presidente da Funai, Marcio Meira, chegou a fazer acordo com o governo do estado, atendendo – dado o poder de pressão do PMDB sobre o governo – à exigência de que seus representantes participassem das identificações de terra. Nem assim a situação se resolveu e, segundo Meira (leia entrevista nesta edição), o acordo não foi cumprido.
Com o objetivo principal de resolver o caso no MS, vem sendo costurada no Congresso a aprovação de uma Proposta de Emenda Constitucional que possibilite o pagamento de indenizações pela terra nua no caso de demarcações de terras indígenas – hoje, o pagamento é apenas pelas benfeitorias. Apesar das tentativas de utilizar essa reforma para “abrir a porteira” ao pagamento pelas terras a gente que expulsou comunidades e forma criminosa, ou mesmo se apropriou indevidamente de terras, o senador Eduardo Suplicy (PT), com a concordância da Funai e de muitos indigenistas, apresentou um texto alternativo, permitindo a indenização pela terra nua apenas em caso de títulos de boa-fé e que não envolvam esbulho. De qualquer forma, a discussão só deverá prosseguir em 2011.
Configura genocídio “intenção de destruir, no todo ou em parte, grupo nacional, étnico, racial ou religioso” (lei 2.889/56). As evidências demonstram que o que se está tentando fazer, direta ou indiretamente, é exterminar física e culturalmente os Guarani-Kaiowá. Até dezembro, as lideranças do grupo esperam que, pelo menos, os relatórios antropológicos de identificação de terras iniciados em 2008 sejam concluídos. Em agosto, o STF suspendeu a exigência de notificação prévia aos fazendeiros para que os grupos de trabalho pudessem visitar as áreas consideradas pelos indígenas como de ocupação tradicional. De qualquer modo, para além das demarcações de terras, ainda há uma longa batalha a travar, até que mude esse quadro de vergonhosa violação de direitos humanos.
A reportagem especial é de Joana Moncau e Spensy Pimentel e publicada pela Caros Amigos, 13-10-2010.
Imagine um lugar onde as pessoas têm expectativa de vida inferior à de países africanos em guerra, onde a taxa de assassinatos é semelhante à dos bairros mais violentos de metrópoles como São Paulo e Rio, e onde as taxas de suicídio estão entre as maiores do mundo. Imagine uma situação de racismo tal que você não pode frequentar um hospital, delegacia ou escola, nem ouvir a rádio, assistir às TVs ou ler os jornais sem ser humilhado cotidianamente. Imagine mais: além disso tudo, essa é a terra onde você nasceu, mas que lhe foi retirada à força por pessoas que se instalaram ali com o apoio do governo do seu próprio país, obrigando-o a se refugiar no país vizinho para sobreviver. E, se não bastasse tudo isso, quando você tentou voltar para recuperar o que era seu por direito, foi tachado de estrangeiro.
Esse lugar surreal fica no Brasil, no sul de Mato Grosso do Sul. Tal quadro permaneceu, por muitos anos, praticamente desconhecido da grande maioria dos brasileiros. Agora, cada vez mais, o drama dos Guarani-Kaiowá vem chamando a atenção do restante do país e da comunidade internacional, e o presidente Lula encara o desafio de apresentar, até o fim de seu governo, em dezembro, um avanço real na solução dos problemas desses indígenas, sob pena de o país completar dezessete anos, e mais de quatro mandatos presidenciais, sem resolver o problema. A Constituição de 1988 determinou que a demarcação das terras indígenas seria concluída em cinco anos depois da promulgação da Carta.
Só em 2010 foram quatro os relatórios internacionais que sublinharam a questão. Primeiro, um documento lançado em janeiro pelas Nações Unidas. Depois, um relatório produzido pela ONG Survival International exclusivamente para tratar do tema, lançado em março. “A ocupação e usurpação de suas terras pela indústria e ações governamentais têm resultado uma situação desesperadora”, aponta o texto da Survival. E complementa: “A situação dos Guarani no MS é uma das piores entre todos os povos indígenas da América”. Em abril, a ONG Repórter Brasil também denunciou, no Brasil e na Europa, a ocupação de terras kaiowá já reconhecidas por lavouras de cana (ver o próximo texto). Em maio, a Anistia Internacional, em seu relatório anual, destacou o caso ao falar dos direitos indígenas no país.
Enquanto a crise se agrava, outros estão mais preocupados com o sagrado direito à propriedade. “Confesso que, em Dourados, voltei a sentir medo”, afirmou a atriz Regina Duarte em visita a uma exposição agropecuária na cidade, em 2009. Na ocasião, a atriz global, pecuarista e garota-propaganda de José Serra nas eleições de 2002 mostrou-se solidária aos fazendeiros diante da “ameaça” das demarcações de terras. “O direito à propriedade é inalienável”, explicou.
Por outro lado, têm sido cada vez mais frequentes as manifestações de entidades e personalidades em apoio à causa dos Guarani-Kaiowá. No início do ano, em carta, a senadora Marina Silva (PV-AC) alertou Lula para o “grau extremo da crise humanitária” pela qual o grupo passa atualmente. Em março, após visita ao MS, o secretário-geral da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), dom Dimas Lara Barbosa, também enviou carta a Lula, pedindo agilidade nas demarcações das terras indígenas desses indígenas. Ainda em março deste ano, uma missão do Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana, órgão de Estado ligado à Secretaria Especial dos Direitos Humanos (SEDH) foi avaliar a situação para fazer uma série de recomendações ao governo federal.
O presidente Lula já discutiu o caso guaranikaiowá por pelo menos três vezes só este ano. Em fevereiro, chegou a declarar a políticos e fazendeiros que iria providenciar a compra emergencial de terras para os indígenas. Depois, em junho, assistiu a exposição sobre o problema em reunião da Comissão Nacional de Política Indigenista (CNPI), órgão ligado à Funai que reúne representantes dos povos indígenas de todo o país. Em agosto, em visita a Dourados (MS), ele se reuniu a portas fechadas com lideranças do grupo e reiterou o compromisso de avançar na resolução do problema até o fim de seu mandato. Também em agosto, centenas de lideranças indígenas de todo o país expressaram seu apoio aos Guarani-Kaiowá com a realização do 7° Acampamento Terra Livre em Campo Grande.
A terra é o ponto nevrálgico da discussão: todos os observadores externos percebem a extrema necessidade de ampliar as áreas disponíveis para as comunidades. Ao mesmo tempo, todos os adversários dos indígenas se opõem, exatamente, às novas demarcações. Em 2008, após assinar um Compromisso de Ajustamento de Conduta com o Ministério Público Federal, a Funai lançou seis grupos de trabalho de identificação das terras guarani-kaiowá, abrangendo 26 municípios do Cone Sul do MS. A ideia era resolver, de uma vez por todas, o déficit na demarcação de terras ali.
O resultado da iniciativa é que o conflito com os ruralistas tornou-se ainda mais forte e evidente. “Produtores declaram guerra aos índios”, destacaram as manchetes locais na época. Para essa situação atentou outro relatório da ONU, de 2009. O relator especial James Anaya, que visitou o estado, escreveu: “Tensões entre povos indígenas e colonos não indígenas têm sido particularmente frequentes no MS, onde os povos indígenas sofrem pela falta de acesso às suasterras tradicionais, pela extrema pobreza e pelos problemas sociais daí decorrentes; a situação deflagrou uma série de atos violentos, marcados por grande número de assassinatos de índios, bem como pela perseguição criminal aos indígenas que lutam por esse direito”.
Enquanto isso, o problema era minimizado pelo próprio governador do estado, André Puccinelli (PMDB). Em abril de 2009, ele afirmava: “Eles não querem tanta terra como a Funai quer dar a eles. Os índios querem menos terra e mais programas sociais”. Edite de Souza, sobrinha de Marçal de Souza, um dos mais famosos líderes guarani, assassinado em 1983, retruca: “É mentira do governador! Ele não faz reunião com os indígenas, como é que ele vai saber se nós queremos ou não a terra? Nós queremos a terra!”.
Na época, Puccinelli ameaçava, em caso de prosseguimento dos trabalhos da Funai: “Muitas vidas (de índios e não índios), possível e infelizmente, poderão se perder, tendo em vista o inevitável conflito que se estabelecerá entre os envolvidos”. O deputado estadual Jerson Domingos foi ainda mais enfático. Anunciou que poderia haver um “banho de sangue”.
Faceta mais sutil da luta contra as demarcações de terras indígenas é a “teoria da conspiração” difundida inclusive na imprensa nacional. O filósofo gaúcho Denis Lerrer Rosenfield vem publicando artigos contra os Guarani desde 2008, quando chegou a passear pelo MS dando entrevistas como consultor dos fazendeiros. Para ele, as demarcações escondem a intenção de articular um movimento separatista.
O efeito prático de ações como essa é alimentar preconceitos. “Há entre a população sul-matogrossense uma postura claramente anti-indígena. Isso, infelizmente, é dito pelo governador, passando pelos deputados e os veículos de comunicação”, aponta o procurador da República Marco Antonio Delfino, de Dourados.
Em 2008, chegou-se a dizer que um terço do estado seria transformado em terra indígena, semeando pânico na população. Ao contrário do que o alarmismo de alguns latifundiários quer fazer crer, as terras reivindicadas nesse estado, segundo avaliações preliminares dos antropólogos, não chegam a 1 milhão de hectares, ou seja, menos de um décimo do que se apregoava na época – a extensão exata só poderá ser aferida quando os estudos determinarem, afinal, as áreas reivindicadas pelos índios.
Dor invisível
O problema é antigo, mas, mesmo se considerarmos apenas os números do ano passado para cá, o quadro já seria desesperador. Foram registrados ao menos quatro casos graves de conflitos envolvendo as comunidades de Laranjeira Nhanderu, Kurusu Ambá, Mbaraka’y e Ypo’i.
O resultado: pelo menos três mortos, dois desaparecidos e cinco baleados, além de diversos episódios de espancamentos, atropelamentos suspeitos e pelo menos um acampamento de beira de estrada incendiado. Um quinto caso registrado nesse período não está, aparentemente, relacionado à questão da terra, porém, talvez seja o mais sintomático da situação dos Kaiowá: em setembro de 2009 o acampamento da comunidade de Apykay, instalado na beira da BR-463, foi incendiado, e um indígena foi baleado. O crime configurou tentativa de genocídio e o inquérito está em tramitação.
“A motivação pelo ataque em Apyka’y não foi uma motivação em defesa da propriedade, foi uma motivação inteiramente étnica, ‘vamos atacar os índios porque são índios’. Ou seja, há uma tentativa de exterminar parte de um grupo indígena que se caracteriza como um tipo de genocídio”, explica o procurador Delfino. “A sociedade sul- matogrossense nega que exista o índio, diz que na verdade quem está lá são os paraguaios, isso é a invisibilização da comunidade.”
Esses seres “invisíveis”, entretanto, formam o maior grupo indígena do Brasil: são 45 mil pessoas. A dificuldade de enxergá-los como “índios”, em parte, decorre da miséria a que estão submetidos. Os Guarani-Kaiowá vivem em pequenas “ilhas” de terra que, somadas, alcançam pouco mais que 42 mil hectares – compare-se com o 1,7 milhão de hectares da Terra Indígena Raposa Serra do Sol, onde vivem 20 mil pessoas. Acossados pelos fazendeiros, rodeados por pastagens e plantações de soja e cana, sem terra, nem mata – da mata original ali não restam mais que 2% –, lutam a duras penas para sobreviver.
Sintomas desse ambiente desfavorável são os problemas apontados nos relatórios citados. Levantamentos do Cimi indicam que ocorrem ali mais da metade dos assassinatos registrados entre indígenas em todo o país – foram 33, dos 60 anotados em 2009, e 42, também de 60, em 2008. Grande parte deles são conflitos entre as famílias indígenas, acentuados pela escassez de recursos e comida, mas há também vários crimes de perseguição política. Segundo o MPF, atualmente correm processos referentes a 13 conflitos mais graves envolvendo indígenas de áreas não demarcadas e proprietários de terra, desde 2000.
Também há alto índice de suicídios, principalmente entre jovens. Só em 2008, foram 34 casos. Em 2009, 18. A taxa de suicídios, portanto, em determinados anos, pode chegar a mais de 100 por 100 mil habitantes, contra a média nacional de 5,7 por 100 mil, segundo dados da Fundação Nacional de Saúde.
Sem possibilidade de viver da coleta, caça ou plantio, ainda segundo a Funasa, 80% das famílias dependem da distribuição de cestas básicas. Quando, em 2007, o serviço de fornecimento foi suspenso temporariamente, sete crianças morreram de subnutrição no estado, onde o índice de desnutrição infantil em populações indígenas é o mais alto do Brasil.
Com tudo isso, a expectativa de vida entre os Kaiowá é de 45 anos, quando a média brasileira é de 72,7 anos. Aos que sobrevivem, resta buscar trabalho, muitas vezes em condições irregulares, nas usinas e fazendas da região (veja matéria a seguir), ou a mendicância nas cidades. Sempre enfrentando muito preconceito.
A discriminação racial é tão comum quemesmo figuras públicas não têm nenhum pudor em externá-la. Em março de 2008, foi aprovado na Câmara Municipal de Iguatemi (MS), o pedido de um vereador para que “intervenham junto à Funai para resolver o problema das residências ilegais dos diversos indígenas na cidade”. “Tal indicação se faz necessária”, dizia o pedido, tendo em vista que os indígenas “vivem embriagados, vivendo da coleta e sobras de lixo”. E continuava: “É uma vergonha para nossa cidade deixar esta situação exposta aos olhos de futuros investidores e empresários”.
Outro caso grave foi o artigo publicado pelo advogado Isaac Barros, em 2008, no maior jornal da região de Dourados. Intitulado “Índios e Retrocesso” o texto levou o MPF a ajuizar ação criminal por racismo e ação por danos morais contra o autor, que se refere aos índios como “bugrada”. O artigo afirma que os índios “se assenhoram das terras como verdadeiros vândalos, cobrando nelas os pedágios e matando passantes” e ainda os chama de “malandros e vadios”. O processo ainda esta tramitando, e a reparação pelo dano moral pode exceder R$ 30 milhões.
Não bastasse toda a discrimação, o MS é o estado com o maior número de detentos indígenas (148 no início de 2009, conforme divulgado pela imprensa), e casos recentes, como o da área conhecida como Kurusu Ambá, demonstram que a criminalização de lideranças já setornou uma estratégia na luta contra os índios.
Em novembro de 2009, pela quarta vez desde 2007, um grupo kaiowá de cerca de 250 indígenas ocupou a terra tradicional de Kurusu Ambá, de onde relatam ter sido retirados nos anos 70. A área fica próxima a Coronel Sapucaia, na fronteira com o Paraguai. Passaram a ser sistematicamente ameaçados por grupos de pistoleiros, com tiroteios diuturnos. Um mês depois, o corpo do jovem de 15 anos Osmair Fernandes foi encontrado com marcas de tortura e espancamento. Até hoje, o caso não está esclarecido. Meses antes, em maio, o líder Osvaldo Lopes tinha sido morto.
Em 2007, na primeira ocupação, já morrera a xamã Xurite Lopes. Meses depois, Ortiz Lopes, outra liderança, também foi assassinado. Três crianças morreram desde 2007 por falta de atendimento médico – a Funasa, alinhada com o governo do Estado, se recusa a prestar assistência nas áreas em disputa. Ninguém ainda foi preso pelas mortes dos quatro indígenas, mas quatro deles estão foragidos depois de terem sido condenados por roubo – em uma armação dos fazendeiros, segundo o grupo –, e outra liderança está sendo processada por ser o suposto autor de disparos que atingiram quatro de seus companheiros no final de 2007, num episódio em que mais de 50 pessoas assistiram ao momento em que dois fazendeiros dispararam contra os índios. Atualmente, a área está em estudo pela Funai, e os indígenas continuam ocupando uma pequena fração da terra. A tradução do nome Kurusu Amba, “lugar da cruz”, ganhou significado especial com tantas mortes.
Por conta desse grau de dificuldade com a Justiça, explica-se a transferência de MS para a cidade de São Paulo, a pedido do MPF, do julgamento dos quatro acusados pela morte do cacique Marcos Verón. Aos 72 anos, ele foi morto a pauladas em sua comunidade, Takuara, em 2003, supostamente a mando do proprietário da fazenda Brasília do Sul. O julgamento foi suspenso e deve ser retomado em 2011. Sua filha Dirce Verón afirma: “Meu pai foi morto porque era uma peça-chave na luta pela terra, uma liderança que incomodava os pecuaristas”.
Como tudo começou
A presença guarani-kaiowá na região sul de MS é registrada desde o início da colonização. As primeiras reservas para o grupo foram criadas na década de 1910, pelo Serviço de Proteção ao Índio (SPI). O problema é que eram demarcadas conforme a conveniência dos brancos. As oito terras criadas somavam 18 mil hectares. À medida que o afluxo de colonos aumentou, os índios foram sendo pressionados a deixar as matas e entrar nessas áreas do SPI, ou ir para a beira da estrada. Muitos foram expulsos para o Paraguai, sob ameaças. Logo nos anos 80, as oito áreas antigas estavam superlotadas – Dourados, por exemplo, tem hoje mais de 12 mil pessoas em 3,5 mil hectares.
No mesmo período, os Guarani-Kaiowá organizaram sua resistência. Surgiu, então, o movimento conhecido como Aty Guasu, ou “grande reunião” (ver artigo nesta edição). A partir da união das dezenas de grupos locais, os indígenas conseguiram dar visibilidade para sua luta pela demarcação de suas terras, as quais chamam de tekoha – o lugar onde se pode viver conforme os costumes. Uma a uma, foram conquistando pequenas ilhas de terra: foram mais de 20, ao todo, hoje em diferentes estágios de regularização. Enquanto a solução vinha a conta-gotas, os problemas se acumulavam. A resistência dos fazendeiros se tornou cada vez mais violenta: de uns dez anos para cá, as mortes de indígenas durante as retomadas se tornaram frequentes.
Para tentar pôr fim aos problemas, de uma vez por todas, surgiu, em 2008, a iniciativa da Funai de lançar os tais GTs. O problema é que, além da oposição armada dos fazendeiros, os índios e a Funai têm de enfrentar a luta no Judiciário. São mais de 80 processos na Justiça Federal contra as demarcações. Para piorar, em ao menos um caso, o de Arroio Korá, homologada em dezembro de 2009, o ministro Gilmar Mendes desconsiderou que um grupo guarani fora alvo de esbulho e por isso não estava na área reivindicada por eles no ano de 1988 (marco temporal que, segundo o STF, determina se uma área pode ou não ser considerada terra indígena). Mas como estariam ali, se tinham sido expulsos pelos fazendeiros? Das três terras guarani-kaiowá homologadas por Lula em seu governo, duas tiveram a ocupação suspensa por liminar do STF. Além de Arroio Korá, há o caso da TI Nhanderu Marangatu, cuja liminar já completou cinco anos sem que haja sinal de que o caso será resolvido.
Resistência e tapetão
Não é apenas contra os indígenas que os fazendeiros reagem com truculência. Os integrantes dos grupos de identificação de terras têm sofrido ameaças. Em 2008, para solucionar o impasse, o presidente da Funai, Marcio Meira, chegou a fazer acordo com o governo do estado, atendendo – dado o poder de pressão do PMDB sobre o governo – à exigência de que seus representantes participassem das identificações de terra. Nem assim a situação se resolveu e, segundo Meira (leia entrevista nesta edição), o acordo não foi cumprido.
Com o objetivo principal de resolver o caso no MS, vem sendo costurada no Congresso a aprovação de uma Proposta de Emenda Constitucional que possibilite o pagamento de indenizações pela terra nua no caso de demarcações de terras indígenas – hoje, o pagamento é apenas pelas benfeitorias. Apesar das tentativas de utilizar essa reforma para “abrir a porteira” ao pagamento pelas terras a gente que expulsou comunidades e forma criminosa, ou mesmo se apropriou indevidamente de terras, o senador Eduardo Suplicy (PT), com a concordância da Funai e de muitos indigenistas, apresentou um texto alternativo, permitindo a indenização pela terra nua apenas em caso de títulos de boa-fé e que não envolvam esbulho. De qualquer forma, a discussão só deverá prosseguir em 2011.
Configura genocídio “intenção de destruir, no todo ou em parte, grupo nacional, étnico, racial ou religioso” (lei 2.889/56). As evidências demonstram que o que se está tentando fazer, direta ou indiretamente, é exterminar física e culturalmente os Guarani-Kaiowá. Até dezembro, as lideranças do grupo esperam que, pelo menos, os relatórios antropológicos de identificação de terras iniciados em 2008 sejam concluídos. Em agosto, o STF suspendeu a exigência de notificação prévia aos fazendeiros para que os grupos de trabalho pudessem visitar as áreas consideradas pelos indígenas como de ocupação tradicional. De qualquer modo, para além das demarcações de terras, ainda há uma longa batalha a travar, até que mude esse quadro de vergonhosa violação de direitos humanos.
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