quinta-feira, 17 de fevereiro de 2011

24 anos do massacre Xakriabá



História e martírio de um povo

Por Cimi Regional Leste Equipe Xakriabá

No último sábado (12), o povo Xakriabá se reuniu para relembrar o maior massacre da sua história. Em 12 de fevereiro de 1987 três lideranças xakriabá foram brutalmente assassinadas, entre eles, Rosalino Gomes de Oliveira.

Foi na madrugada do dia 12 de fevereiro de 1987, que quinze homens fortemente armados comandados por Francisco de Assis Amaro, conhecido grileiro de terras do Norte de Minas Gerais, invadiram a aldeia Sapé e atacaram a casa do líder Xakriabá Rosalino Gomes de Oliveira assassinando três pessoas; Rosalino, José Pereira Santana e Manoel Fiúza da Silva. Anizia Nunes de Oliveira (esposa de Rosalino) ficou gravemente ferida. Esta ação aconteceu quando a família de Rosalino estava dormindo e não tiveram nenhuma chance de se defender.

O motivo da violência contra o povo Xakriabá foi ganância dos grileiros sobre as terras dos Indígenas. A investida sobre o território Xakriabá tinha como base, políticos, empresários e fazendeiros, entre eles o prefeito do município de Itacarambi-MG, José Ferreira de Paula. Naquele período, o então emancipado município de São João das Missões-MG, onde hoje se localiza o território Xakriabá, era distrito de Itacarambi.

Na época, este acontecimento teve grande repercussão nacional e internacional. Os envolvidos na chacina foram presos e condenados, o crime foi caracterizado como genocídio.

Passados 24 anos, a comunidade xakriabá se reuniu para fazer uma reflexão sobre a sua luta, e desta forma, avaliar os avanços e os desafios da sua caminhada no contexto do martírio.

Importantes lembranças

O resgate do processo histórico da luta do povo xakriabá na defesa dos seus direitos, foi elemento importante neste momento de reflexão, vários documentos da época da chacina se tornaram públicos, entre eles, as inúmeras cartas manuscritas por Rosalino e outras lideranças xakriabá denunciando toda a violência sofrida pelo seu povo.

Dona Anizia (viúva de Rosalino), relatou os fatos que marcaram a sua vida e a vida de seu povo, falou do importante papel desempenhado por Rosalino e a comunidade Xakriabá, que respondiam positivamente ao enfrentamento das ameaças contra os seus direitos. Desmistificou a história de preconceito e discriminação contra os índios Xakriabá, afirmando que tanto no passado como nos dias atuais, toda vez que os indígenas não aceitam que os seus direitos sejam usurpados, esses povos são vistos como violentos; reforçou que o seu povo só quer viver em paz e ter os seus direitos respeitados. Dona Anizia também enfatizou que mesmo depois de tanto derramamento de sangue, a negação dos direitos do seu povo ainda continua, falou sobre a importância da união de seu povo para continuar na luta.

Mesmo diante de tanto massacre, são grandes as conquistas obtidas pelo povo Xakriabá. O sangue derramado por Rosalino Gomes de Oliveira libertou seu povo. O território Xakriabá está parcialmente demarcado e homologado, são 54 mil ha que representa apenas um terço da sua terra tradicional. Atualmente, o povo xakriabá está em um novo processo de luta para reaver mais uma parte do seu território.

José Nunes de Oliveira (filho de Rosalino) foi reeleito o prefeito do Município de São João das Missões-MG, juntamente com cinco vereadores indígenas xakriabá, quebrando assim um paradigma. A vitória de um indígena xakriabá nas eleições é parte da consolidação de um processo de participação política que reconhece a importância do povo xakriabá no contexto político regional e estadual, sendo José Nunes o primeiro prefeito indígena eleito no estado de Minas Gerais.

Domingos Nunes de Oliveira (também filho de Rosalino) assumiu o cacicado do seu povo, dando continuidade ao sonho do seu pai, ver o povo Xakriabá livre do cativeiro. Segundo o cacique Domingos, a autonomia do povo Xakriabá sobre o seu território é um direito até então negado e esse é o principal motivador da violência contra o povo Xakriabá e conseqüentemente contra outros povos Indígenas no Brasil. Fala ainda dos ensinamentos deixados pelo seu pai e a responsabilidade da sua comunidade em continuar defendendo os seus direitos.

Contudo, grande parte dos desafios enfrentados no contexto atual pelo povo Xakriabá é fruto dos equívocos cometidos pelo Estado de direito, principalmente no tocante a demarcação do território. A nova luta do povo Xakriabá em reaver mais uma parte do seu território continua, bem como o aumento da violência contra os índios.

As famílias que hoje já se instalaram nas novas áreas retomadas vivem apreensivas e amedrontadas pelos fantasmas do passado, mesmo tendo a seu favor estudo da Fundação Nacional do Índio (Funai), que afirma o direito dos indígenas sobre as novas áreas retomadas. As ameaças provenientes outrora pela ação truculenta de pistoleiros, hoje se soma às ações de reintegração de posse impetrada por fazendeiros: é o meio jurídico encontrado por aqueles que não respeitam nem o legal e muito menos o legítimo. Comunidades inteiras do povo Xakriabá correm o risco de serem expulsas do seu território e essa é a dura realidade vivenciada pela aldeia Morro Vermelho.

Os elementos utilizados pelo povo Xakriabá para exigir dos órgãos competentes o reconhecimento dos seus direitos no tocante a demarcação do seu território tem como pilares duas razões significativas: a primeira passa pelo processo “legal”; este povo possui um documento de doação datado de 1728 que limita o território, contudo apenas um terço desta área (legalizada, documentada e registrada em cartório) está demarcada e homologada. A segunda está baseada na legitimidade, as novas áreas de retomada são terras tradicionalmente ocupadas pelo povo Xakriabá (conforme estudos realizados pela FUNAI), este é um direito garantido pela constituição Federal de 1988.

Dentro de outro contexto, o território Xakriabá continua ameaçado e invadido pelos grandes projetos, na maioria financiada por recursos públicos, como é o caso do projeto de transposição do Rio São Francisco, mineração e pavimentação de rodovias Federal e Estadual (PAC do Governo Federal e o Pró- acesso do Governo do Estado de Minas Gerais). O legal e o legítimo ainda não foram suficientes para garantir a tão sonhada paz esperada por este povo, a sua autonomia sobre o seu território não é respeitada, as máquinas do “desenvolvimento” não respeitam a terra, o território e muito menos a tradição de quem nela vive e trabalha para sobreviver.

Fonte: CIMI

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