terça-feira, 25 de janeiro de 2011

"Não ao mundo global. Voltemos às fronteiras''. Entrevista com Régis Debray



Não ao mundo global. Voltemos às fronteiras''. Entrevista com Régis Debray

É discutível a última provocação do intelectual francês. “A abolição das fronteiras é uma utopia externamente generosa. Na realidade, vencem os mais fortes.” “É a nova versão do etnocentrismo ocidental. Deste modo se ignoram as identidades e a diversidade.” “A revolução digital produziu um mundo virtual que nos iludiu sobre o fim das diferenças e da geografia”
A reportagem é do jornal italiano La Repubblica, 10-01-2011. A tradução é de Alessandra Gusatto.
Contra os muros redescobrimos as fronteiras: É a provocação lançada por Régis Debray em seu livro polêmico intitulado Éloge des frontières (Gallimard, 96 p.), que acabou de ser lançado na França e já é o centro de inflamadas discussões. O estudioso francês, que gosta de nadar contra a corrente, denuncia a ilusão de um mundo que “sem fronteiras” seria feliz, um mundo filho da globalização, que na verdade, atrás de valores humanitários universais, tende a apagar toda a diversidade. “Hoje vivemos uma situação esquizofrênica”, explica Debray, autor entre outros de Vida e morte da imagem (editora Il Castoro), O estado sedutor. As revoluções mediáticas do poder (editora Editori Riuniti) e Deus, um itinerário. Para uma história do eterno no Ocidente (editora Raffaello Cortina).
“De um lado, se elogia a universalidade e a globalização que ultrapassam as fronteiras, do outro, desde 1990 até hoje, criamos 29.000 quilômetros de novas fronteiras, aos quais devem ser adicionados 18.000 quilômetros de barreiras eletrônicas em construção. Quase todas as guerras em andamento nascem de problemas territoriais e a questão da fronteira é crucial até na Europa, como deixa claro a crise da Bélgica. Ou seja, entre o discurso dominante, cheio de bons propósitos e ideologias escondidas, a realidade concreta, a distância é cada vez maior. Por isso, é urgente repensar sem medos e sem tabus a problemática das fronteiras, que no passado foi muitas vezes conotada negativamente e criticada”.

Eis a entrevista.

O que censura na ideologia que se orgulha de um mundo sem fronteiras?
Viver sem fronteiras é uma ordem do hipermodernismo que a cobriu de valores aparentemente nobres. Na verdade, o “sem fronteirismo” é somente a expressão romântica do neoliberalismo, que, em nome da livre circulação de capitais e de trabalhadores, produziu uma utopia externamente generosa. Um mundo sem fronteiras é, porém, um falso infinito, onde no fim domina o mais forte. Ignorando fronteiras e identidade. É um colonialismo sublimado, é o etnocentrismo do Ocidente.

Que quer dizer?
O homem ocidental não admite a existência de civilizações diferentes da sua. Quer possuir valores universais aplicáveis em todo lugar e por isso pensa estar em todos os lugares em casa. O estrangeiro se torna seu igual. Por isso deve ser educado. Mas em um mundo que abole a idéia de fronteira, diminui a dupla fundamental dentro/fora, como também a noção de alteridade, que se dissolve em uma bola de boas intenções humanitárias, colocando em perigo a nossa própria identidade.

Sem alteridade arrisca-se perder a própria identidade?
A fronteira é necessária para reconhecer o outro, sem o que não se reconhece mais nem mesmo a si mesmos. Sem fora não tem dentro. Se esta distinção for diminuindo, desaparece também a noção de hospitalidade. A fronteira é sempre ambivalente, pode ser um motivo de conflito e guerra ou um lugar de paz e troca. Onde não há fronteiras, frequentemente os muros aumentam, que são o contrário da fronteira. O muro, de fato, esconde o outro, enquanto a fronteira o reconhece, aceitando a sua identidade, primeiro passa por uma possível negociação. O antídoto ao muro é a fronteira. Reconhecer a sua importância significa redescobrir a complexidade e a variedade do mundo.

As novas tecnologias contribuíram para a percepção de um mundo sem fronteiras?
A revolução digital produziu um mundo virtual que nos iludiu sobre o fim das fronteiras. Hermes, o deus da comunicação, nos fez perder a cabeça, nos prometendo ter acesso a qualquer um, em qualquer lugar e em qualquer momento. A embriaguez virtual removeu a história e a geografia, com as quais atualmente somos obrigados a acertar as contas já que é possível digitalizar os sinais e as imagens, mas não os corpos e a matéria. Um endereço eletrônico não é com certeza um lugar onde se possa morar. E dado que os sinais e traços sobre as telas não podem substituir os homens e as coisas, hoje redescobrimos a materialidade do mundo.

A circulação de informações é, porém, mais fácil...
É verdade e é, sem dúvida um aspecto positivo, mesmo que a cultura dominante seja a do mainstream americano. O que significa que o universalismo tecnológico favorece frequentemente a monocultura, o monolinguismo e a uniformização. Sem esquecer que, em geral, a mídia dominante reflete sobretudo o ponto de vista de uma pequena parte da população, cabe dizer, a elite ocidental, móvel e globalizada, que vive na utopia do nomadismo e da globalização. Partindo daí nasce também a ideologia de um mundo sem fronteiras com a promessa de felicidade.

Paralelamente a globalização, que ignora as fronteiras, assistimos ao renascimento de muitos particularismos. Há uma ligação entre os dois fenômenos?
Estão estreitamente ligados. A globalização tecno-econômica produz a balcanização político-cultural. A criação de modelos tecnológicos e de modos de vida favorece a perda de identidade e pertinência que muitas vezes é a origem de um movimento de reivindicação de identidade, com base religiosa, regionalista, linguística etc. A nossa realidade social é composta por três estratos sobrepostos e perenemente em tensão entre eles: aquele das ligações de sangue, aqueles da comunidade nacional e aquele da globalização. O estrato mais recente, aquele da globalização hipermoderna acorda frequentemente o mais antigo, aquele da pertinência de identidade. É assim que a hipermodernismo produz regressão arcaica.

Devemos desacreditar as novas tecnologias?
Absolutamente não, até porque a técnica sempre fez avançar o mundo. Mas no século XXI presenciaremos uma estranha combinação de arcaísmo e pós-modernismo, onde o progresso tecnológico virá acompanhado por radicais regressões de cunho mítico e religioso. Teremos um progresso “retrogrado”. Para esconjurar as insurreições de identidade será necessária diplomacia e então a fronteira.

As fronteiras dão limites a corrida dos particularismos?
Hoje o real problema é a “desglobalização”. Ela pode ser feita de forma selvagem, xenófoba e, no fundo, fascista, com muros e guerras, ou através de negociações, reconhecimento recíproco e a busca de equilíbrio, que naturalmente não é sempre fácil atingir. Deste ponto de vista, a fronteira se torna um lugar essencial de troca e de comunicação. Naturalmente é necessária uma ética de fronteira, dado que não há nada pior do que uma fronteira escondida ou de uma fronteira que se torna um obstáculo. A fronteira deve ser visível, evidente, compartilhada e reguladora. Deste modo, isso é o que pode nos acontecer de melhor. Por outro lado, a condição necessária de superação da fronteira é a própria fronteira

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